ALMA GAÚCHA
Uma história das proezas de um Povo!
Autor: Igidio Garra
No ano de 1835, o Rio Grande do Sul era mais do que uma terra de campos vastos e horizontes sem fim. Era um caldeirão de sonhos e descontentamentos. O Império do Brasil, com suas leis distantes e impostos pesados, sufocava os estancieiros, os charqueadores e os homens livres do Sul. No coração do pampa, onde o cavalo era irmão e a lança era lei, nasceu um brado de revolta. Era a alma gaúcha, indomável, que se erguia contra a opressão. Este é o relato dos Farrapos, dos homens e mulheres que, por dez anos, ousaram sonhar com uma república livre, independente e soberana, que mantem o espirito do gaúcho até os dias de hoje!
Introdução: Alma Gaúcha - A Epopeia dos Farrapos
No ano de 1835, o Rio Grande do Sul era mais do que um mosaico de campos vastos, onde o horizonte se perdia em linhas de coxilhas e o vento sussurrava histórias antigas. Era uma terra viva, pulsando com a força de um povo forjado na lida com o gado, no galope dos cavalos e na resistência às adversidades de uma fronteira indômita. Sob o céu aberto do pampa, onde o sol dourava as pastagens e as noites eram iluminadas por fogueiras, o Rio Grande do Sul era um caldeirão de sonhos, descontentamentos e aspirações que fervilhavam sob a superfície.
O Império do Brasil, com sua corte distante no Rio de Janeiro, governava com mãos de ferro e olhos alheios às necessidades do Sul. Leis opressivas e impostos abusivos, como os que recaíam sobre o charque, o ouro seco das estâncias, essencial para a economia local, sufocavam os estancieiros, charqueadores e comerciantes. O charque gaúcho, produzido com o suor de homens e mulheres nas charqueadas à beira dos rios, enfrentava a concorrência desleal do produto importado do Prata, favorecido por políticas imperiais que ignoravam os interesses do povo sulino. Para os homens livres, que carregavam no peito o orgulho de uma identidade forjada na luta contra os rigores da terra e nas batalhas contra invasores castelhanos, a opressão do Império era uma afronta à sua honra.
Mas o descontentamento não se limitava às elites das estâncias. Nas vilas e nos caminhos poeirentos, tropeiros, peões, negros escravizados e libertos, além de mulheres que manejavam a casa e, muitas vezes, a lança, compartilhavam o anseio por justiça. A notícia de revoltas em outras províncias, como a Cabanagem no Pará e a Balaiada no Maranhão, chegava como fagulhas, inflamando os ânimos. No Rio Grande do Sul, porém, a revolta teria um sabor único: a alma gaúcha, indomável e altiva, que não se curvava a grilhões.
Foi nesse cenário, em setembro de 1835, que o brado de revolta ecoou. Na noite de 20 de setembro, as ruas de Porto Alegre foram tomadas por cavaleiros liderados por homens como Bento Gonçalves, um estancieiro de visão larga e coragem inabalável, e Antônio de Souza Netto, cujo coração ardia por liberdade. A tomada da capital marcou o início da Revolução Farroupilha, um movimento que não buscava apenas alívio econômico, mas a ousadia de sonhar com uma república soberana: a República Piratini. Sob o pavilhão verde, vermelho e amarelo, os Farrapos juraram lutar por uma nação onde a liberdade fosse mais do que uma palavra fosse a própria lei.
Por dez anos, de 1835 a 1845, o Rio Grande do Sul transformou-se em um campo de batalhas e ideais. As lanças reluziam sob o sol, os cavalos galopavam pelas coxilhas, e o pampa testemunhava feitos heroicos e sacrifícios profundos. Homens como Giuseppe Garibaldi, o corsário italiano que abraçou a causa farroupilha, e mulheres como Anita Garibaldi, cuja bravura desafiava convenções, tornaram-se lendas. Mas a guerra não foi apenas dos grandes nomes. Foi também dos anônimos: o peão que deixava a família para lutar, a mulher que escondia rebeldes em sua estância, o escravo que via na revolta uma chance de romper suas correntes.
A Revolução Farroupilha não foi apenas uma guerra contra o Império. Foi uma afirmação de identidade, um grito de um povo que se reconhecia como diferente, moldado pela vastidão do pampa, pela camaradagem das tropeadas e pelo código de honra do gaúcho. Mesmo após o Tratado de Ponche Verde, em 1845, que pôs fim ao conflito, o espírito farroupilha permaneceu. A República Piratini não sobreviveu como nação, mas sua chama continuou a arder no orgulho rio-grandense, nas tradições do chimarrão partilhado e nas histórias contadas ao pé do fogo.
Este é o relato dos Farrapos: dos homens e mulheres que, por uma década, ousaram sonhar com uma república livre. É a história de um povo que, com lanças na mão e o pampa no coração, desafiou um império e deixou um legado que ainda ressoa nas coxilhas do Rio Grande do Sul. Esta é a alma gaúcha, eterna e indomável.
Capítulo 1: A Chama da Revolta
Waldemio Gonçalves, conhecido como O Gaudério, cavalgava pelas coxilhas de Bagé com o vento cortando o rosto. Aos 28 anos, era um tropeiro de pele curtida pelo sol, olhos atentos como os de um gavião e uma alma inquieta. Filho de um estancieiro modesto, Waldemio cresceu ouvindo histórias de seu avô, que lutara nas guerras contra os castelhanos. "O gaúcho não se curva", dizia o velho, e aquelas palavras ecoavam em seu amago, enquanto observava os cobradores imperiais extorquirem seu povo.
Na primavera de 1835, rumores de revolta corriam como fogo na palha. Em Porto Alegre, Bento Gonçalves, um estancieiro respeitado e coronel da Guarda Nacional, articulava com outros líderes, Antônio de Souza Netto, Vicente da Fontoura e Lucas de Oliveira, um levante contra o Império. Waldemio, que nunca se dobrara a injustiças, soube da causa por um amigo, Manuel, um charqueador que perdera metade de sua produção para os impostos. "Se não lutarmos, seremos escravos em nossa própria terra", disse Manuel, com os punhos cerrados.
Na noite de 19 de setembro, Waldemio juntou-se a um grupo de cavaleiros na estância de Gomes Jardim. Sob a luz de uma fogueira, Bento Gonçalves falou com a voz firme: "O Rio Grande não será esmagado pelo jugo do Império. Somos homens livres, e nossa liberdade se conquista com sangue, se necessário!" Os olhos dos presentes brilhavam, inflamados. Waldemio sentiu o coração acelerar; ali, entre o crepitar das chamas e o relinchar dos cavalos, nascia algo maior que ele mesmo.
A reunião terminou com um plano: na noite seguinte, 20 de setembro, tomariam Porto Alegre. Waldemio, com sua lança afiada e um facão preso à cintura, sabia que não havia volta. Enquanto cavalgava de volta para sua estância sob um céu cravejado de estrelas, pensava em Maria órfã, que ficaria com a mãe. "Se eu não voltar, cuidem do nosso chão", murmurou, como se o vento minuano pudesse levar suas palavras.
Ao amanhecer, ele preparou seu cavalo, um tordilho chamado Relâmpago, e partiu ao encontro dos revoltosos. No horizonte, o sol nascia vermelho, como se pressentisse o sangue que logo seria derramado. A Revolução Farroupilha estava prestes a começar, e Waldemio, O Gaudério uma mistura de castelhano com Indio Guarani, era agora parte dela.
Capítulo 2: O Grito da Liberdade
Waldemio, O Gaudério, cavalgava com o coração batendo no compasso dos cascos do Relâmpago. A noite de 20 de setembro de 1835 caía pesada sobre as coxilhas, e o ar trazia o cheiro de terra molhada e fumaça de fogueiras distantes. Ele se juntara a um grupo de uns cinquenta homens, todos de poncho, botas gastas e olhares duros. Eram tropeiros, estancieiros e peões, unidos pelo mesmo fogo que ardia no peito do Gaudério: o desejo de sacudir o jugo do Império.
Na vanguarda, Bento Gonçalves, montado num gateado de respeito, guiava a tropa rumo a Porto Alegre. "Hoje, meus amigos, o Rio Grande levanta a cabeça!", disse ele, com a voz grossa como trovão. "Não somos carneiros pra baixar o cangote pros cobradores do Imperador. Somos gaúchos, e gaúcho não se verga!" Os homens responderam com um brado que fez os cavalos se agitarem. Waldemio, segurando firme a lança, sentiu o sangue ferver. "Por nossa terra!", gritou, e os outros ecoaram.
A marcha foi longa, cortando campos e cruzando arroios. Manuel, o charqueador, cavalgava ao lado de Waldemio, mascando um talo de capim. "Tá sentindo o vento, Gaudério? É o vento da mudança", disse, com um meio sorriso. Waldemio riu, mas seus olhos varriam o horizonte, atentos a qualquer sinal de emboscada. "Se é mudança ou morte, só Deus sabe, Manuel. Mas, por mim, que venha logo."
Chegaram às portas de Porto Alegre ao raiar da lua. A cidade dormia, mas as sentinelas imperiais já haviam farejado encrenca. Num átimo, o plano se desenrolou: Antônio de Souza Netto, com sua lábia afiada, distraiu os guardas na entrada da cidade, enquanto Bento e os outros contornavam pelas sombras. Waldemio, com um grupo menor, ficou de tocaia num potreiro próximo. "Se der ruim, a gente entra cortando", sussurrou ele pros seus, o facão já meio desembainhado.
Mas não precisou. Antes que o galo cantasse, os farroupilhas tomaram a guarnição sem disparar um tiro. Os soldados imperiais, pegos de surpresa, renderam-se ou fugiram como baratas. Waldemio entrou na cidade ao lado de Bento, vendo as ruas de pedra iluminadas por tochas. O povo, acordado pelo barulho, espiava pelas janelas, meio assustado, meio curioso. "Liberdade pro Rio Grande!", gritou Netto, e alguns moradores, contagiados, começaram a gritar junto.
Na praça central, Bento Gonçalves subiu num caixote e falou ao povo: "Chegou a hora de sermos donos do nosso destino! O Império nos suga o suor e nos dá migalhas. Quem tá comigo levanta a mão!" Mãos se ergueram, tímidas no começo, mas logo a praça virou um mar de punhos cerrados. Waldemio, encostado numa carreta, observava tudo, o peito inchado de orgulho. Mas, no fundo, uma pulga coçava: tomar Porto Alegre era só o começo. O Império não ia engolir aquela afronta deitado.
Enquanto os homens se juntavam em rodas, rindo alto e passando o mate amargo de mão em mão, com uns tantos já virando goles de cachaça que queimava a garganta, Waldemio se afastou do burburinho, os passos lentos afundando na terra úmida da praça. Ele ergueu os olhos pro céu, onde a lua cheia derramava uma luz prateada sobre Porto Alegre, fazendo as estrelas parecerem alfinetes brilhantes num poncho negro.
Pensava na Maria, uma guria de 15 anos com tranças longas e um jeito quieto, que ficara na estância cuidando da mãe, dona Anahí, de origem espanhola, viúva de Iberê, descendente de tupi/guaranis. Uma mulher de mãos calejadas e fé inabalável que rezava todas as noites pela família, pelo Rio Grande e por todos os Farroupilhas.
Lembrou do avô, o velho Isidoro, cuja voz rouca ainda ecoava em sua memória, contando causos das guerras contra os castelhanos, os olhos faiscando enquanto dizia: "Gaúcho não se curva, guri. A gente morre de pé, mas não vive de joelhos." Waldemio sentiu um aperto no peito, como se o velho pudesse estar ali, invisível, espiando a ousadia dos netos do Rio Grande. "Tomara que o velho Vô e meu pai, estejam vendo isso, onde quer que estejam", murmurou, a voz quase engolida pelo vento, enquanto seus dedos apertavam o cabo do facão, o couro gasto do punho moldado à sua mão como uma extensão do próprio corpo.
A chama da revolta, que antes era só uma faísca em seu coração, agora rugia como uma fogueira braba, alimentada pela coragem dos farroupilhas e pela certeza de que não havia mais volta. O Gaudério sabia, com a clareza de quem encara o destino de frente, que dali em diante só restava lutar até o fim ou tombar defendendo o que era seu.
Capítulo 3: O Primeiro Embate
O sol mal despontava no horizonte, tingindo de laranja as coxilhas ao redor de Porto Alegre, quando o acampamento farroupilha já fervilhava. Waldemio, O Gaudério, amarrava o poncho ao redor do corpo, o sereno da madrugada ainda grudado na pele. A tomada da cidade na noite anterior trouxera um gosto de vitória, mas ninguém era bobo: o Império não ia deixar barato. "É como cutucar onça com vara curta", disse Manuel, enquanto afiava sua adaga num canto, o rosto marcado pela falta de dormir um bom sono.
Bento Gonçalves reuniu os homens num potreiro nos arredores da cidade. O vento trazia o cheiro de fumaça e couro, e os cavalos bufavam, como se sentissem o que vinha pela frente. "A guerra começou, gauchada", anunciou Bento, o olhar firme varrendo a tropa. "Os imperiais tão juntando forças em Rio Grande. Vão mandar tropas pra cá, e precisamos estar prontos. Hoje, seguramos Porto Alegre. Amanhã, o Rio Grande todo!" Os homens bateram as lanças no chão, num trovão de apoio, mas Waldemio notou alguns rostos tensos. Nem todo mundo está pronto pra trocar o facão pela morte.
A ordem era cristalina: reforçar as defesas da cidade e mandar batedores pras estradas. Waldemio, com Relâmpago já selado, se ofereceu pra liderar um grupo de cinco homens. "Se os imperiais tão vindo, eu quero ver a cara deles antes", disse, com um sorriso torto. Bento deu um aceno de aprovação, e o Gaudério partiu com seus companheiros, todos de olhos afiados e armas em punho firme e destemidos.
A cavalgada foi tensa, cortando campos abertos e matos rasteiros. O silêncio só era quebrado pelo canto dos quero-queros, pelo piu das corujas e pelo ranger das selas. Perto do meio-dia, num descampado próximo ao rio Gravataí, o batedor mais jovem, um tal de Juca, apontou pro horizonte. "Olha lá, Gaudério! Poeira subindo!" Waldemio estreitou os olhos e viu: uma coluna de cavaleiros, uns trinta, com uniformes azuis e baionetas brilhando ao sol. Soldados imperiais, marchando direto pra Porto Alegre.
"É agora, guris", murmurou Waldemio, puxando a lança. "A gente não deixa eles passarem." Ele mandou Juca galopar de volta pra avisar Bento, enquanto os outros quatro se prepararam pra emboscada. Esconderam-se num capão de mato, os cavalos quietos, o coração na boca. Quando os imperiais chegaram a uns cem metros, Waldemio deu o sinal: "Pra cima deles, gauchada!"
O ataque foi como um raio. Waldemio saiu do mato com Relâmpago em disparada, a lança apontada pro peito do oficial que liderava a coluna. O homem, pego de surpresa, mal levantou a espada antes que a lança do Gaudério o derrubasse. Os outros farroupilhas caíram sobre os soldados, facões reluzindo e gritos cortando o ar. Os imperiais, desorganizados, tentaram reagir, mas o terreno aberto favorecia os gaúchos, que cavalgavam como se fossem parte dos cavalos, lidas aprendidas com os índios da região das missões jesuíticas.
O choque durou alguns minutos, mas pareceu uma eternidade. Waldemio, com o facão na mão, enfrentou um soldado que tentou cravar a baioneta em Relâmpago. Num giro rápido, ele cortou o braço do homem, que caiu gritando. Quando a poeira baixou, o chão tava manchado de vermelho, e metade dos imperiais jazia mortos ou feridos. Os outros fugiram, deixando armas e alguns cavalos pra trás.
Waldemio, ofegante, limpou o sangue do facão na grama. Olhou pros seus: dois feridos leves, nenhum morto. "Bom trabalho, gurisada", disse, mas a voz saiu pesada. Era a primeira vez que matava em combate, e o peso disso apertava o peito. Um dos homens, um peão chamado Zé Durvalino, cuspiu no chão e falou: "Isso é só o começo, Gaudério. Vão mandar mais."
De volta ao acampamento, Waldemio relatou tudo a Bento. O chefe farroupilha ouviu em silêncio, coçando a barba. "Vocês compraram tempo pra nós, Gaudério. Mas agora é guerra de verdade. O Império vai querer nossa cabeça." Waldemio aquiesceu, inquieto o olhar perdido no horizonte. Pensava no avô, no pai que eles falariam sobre o sangue derramado. "Gaúcho não se curva", repetiu pra si mesmo, como um mantra.
Naquela noite, enquanto o acampamento se aquietava, Waldemio se sentou junto a uma fogueira, o mate na mão. Manuel se aproximou, trazendo uma garrafa de cachaça. "Por hoje, nós vencemos, amigo. Brinda comigo?" Waldemio pegou a garrafa, deu um gole e devolveu. "Por hoje, Manuel. Mas amanhã é outro dia."
Capítulo 4: A Sombra Escura da Guerra
A manhã de 22 de setembro de 1835 amanheceu cinzenta, com nuvens pesadas cobrindo o céu de Porto Alegre. Waldemio, O Gaudério, acordou com o corpo moído, as botas ainda sujas do sangue seco do dia anterior. O embate no Gravataí deixara marcas: não só os cortes e roxos nos homens, mas uma inquietação que pairava no acampamento farroupilha. "Tá todo mundo com o rabo entre as pernas, Gaudério", resmungou Manuel, enquanto jogava lenha na fogueira. "Mataram uns imperiais, mas sabem que vem mais. E agora?"
Waldemio não respondeu de imediato. Mastigava um naco de charque, os olhos fixos no movimento dos homens. Uns afiavam lanças, outros consertavam selas, e alguns, mais calados, pareciam rezar. Bento Gonçalves passara a noite reunido com Antônio de Souza Netto e Vicente da Fontoura, traçando planos. A notícia chegada por um batedor não era boa: uma tropa imperial, com mais de cem homens, marchava de Rio Grande, sob o comando de um tal coronel Almeida, conhecido por não dar trégua. "Se a gente não se preparar, vão nos esmagar como baratas", disse Waldemio, cuspindo um pedaço de osso no chão.
Bento convocou os líderes ao meio-dia. Waldemio, por seu feito no Gravataí, foi chamado pra ouvir. Num galpão improvisado, com mapas rabiscados sobre uma mesa tosca, o chefe farroupilha falou com a voz firme: "Porto Alegre é nossa, mas não segura sozinha. Precisamos espalhar a revolta, levantar o interior. Netto, tu vais pra Piratini com um grupo. Vicente, organiza os homens em Pelotas. Waldemio, tu ficas comigo. Vamos fortificar a cidade e mandar um recado pros imperiais: o Rio Grande não se rende!"
O Gaudério assentiu, mas uma fisgada de preocupação o cutucou. Pensava na estância em Bagé, onde Maria e a mãe estavam. "Se os imperiais passarem por lá, Bento, minha gente tá desprotegida", disse, o tom baixo, quase um pedido. Bento pôs a mão no ombro dele. "Manda um homem de confiança levar um aviso, Gaudério. Mas tua lança é mais útil aqui. Confio em ti." Waldemio engoliu seco, sabendo que não tinha escolha. Mandou Juca, o batedor jovem, galopar até Bagé com uma carta curta: "Fiquem esperta, Maria. Se vier tropa, fujam pro mato."
Os dias seguintes foram de trabalho bruto. Os farroupilhas cavaram trincheiras nas entradas da cidade, reforçaram barricadas com carroças velhas e juntaram munição. Waldemio, com sua habilidade de tropeiro, ajudava a organizar os cavalos e ensinar os peões menos experientes a manejar a lança em combate. "Não é só fincar, guri", dizia, mostrando o movimento. "É torcer, pra derrubar o inimigo da sela." Os homens riam, mas o riso era nervoso. Todos sabiam que o trovão da guerra tava chegando.
Na noite do dia 25, a tempestade caiu literal e figurada. Uma chuva grossa encharcava o acampamento quando um vigia gritou: "Tropa no horizonte!" Waldemio correu pro posto de comando, o poncho pingando, e viu Bento com um catalejo. "São eles", murmurou o coronel. "Almeida trouxe uns cento e cinquenta, talvez mais. Vão tentar tomar a cidade de assalto." O Gaudério sentiu o sangue gelar, mas apertou o facão na cintura. "Então que venham, Bento. Gaúcho não corre de peleia que seja das feias vivente."
O plano era simples, mas arriscado: deixar os imperiais se aproximarem das barricadas, onde seriam recebidos por uma chuva de balas e lanças. Waldemio liderava um grupo de vinte cavaleiros, escondidos num potreiro à esquerda da entrada principal. Quando o sinal veio, um tiro de canhão improvisado, os farroupilhas saíram das sombras como lobos. A chuva tornava o chão um lamaçal, mas Relâmpago parecia dançar sobre ele, levando Waldemio direto pro coração da batalha.
O choque foi brutal. Gritos, relinchos e o clangor de metal enchiam o ar. Waldemio cravou a lança num soldado imperial, mas logo foi cercado por dois outros. Com um giro do facão, derrubou um; o outro acertou um golpe de sabre que rasgou seu poncho e cortou seu braço. A dor veio como fogo, mas o Gaudério não parou. "Por nossa terra!", berrou, e Relâmpago empinou, derrubando o inimigo na lama.
A batalha durou até o amanhecer. Os imperiais, esperando uma vitória fácil, foram pegos de surpresa pela ferocidade dos gaúchos. Quando o sol rompeu as nuvens, a tropa de Almeida recuava, deixando dezenas de mortos e feridos. Os farroupilhas, exaustos, contavam suas perdas: quinze homens tombados, outros tantos machucados. Waldemio, com o braço enfaixado por um pano sujo, olhava o campo ensanguentado. "Seguramos, Manuel", disse, a voz rouca. O charqueador, com um corte feio na testa, deu um tapa no ombro dele. "Por hoje, Gaudério. Mas essa guerra tá só começando."
Naquela noite, sob um céu ainda carregado, Waldemio se sentou sozinho, o mate esfriando na mão. O corte no braço latejava, mas a dor maior era outra: a incerteza. Será que Juca chegara a Bagé? Será que Maria e a mãe estavam seguras? Ele fechou os olhos, vendo o rosto do avô Isidoro. "Gaúcho não se curva", sussurrou, como se o velho pudesse ouvir. A fogueira da revolta ardia mais forte, mas agora Waldemio sabia: cada vitória vinha com um preço, e o próximo golpe podia ser mais duro.
Capítulo 5: O Peso do Sangue Derramado
O acampamento farroupilha, nos arredores de Porto Alegre, parecia um ninho de vespas cutucado. Após a batalha contra a tropa de Almeida, os homens lambiam as feridas, mas o ânimo era de quem sabia que a guerra tava só esquentando. Waldemio, O Gaudério, passava o dia com o braço enfaixado, ajudando a reforçar as barricadas e a contar munição. O corte ardia como brasa, mas ele não se queixava. "Gaúcho que geme é gaúcho morto", dizia, meio brincando, meio sério, enquanto amarrava um tronco com corda.
A noite de 26 de setembro caiu fria, com um vento que cortava o poncho. Waldemio tava de sentinela num morro, os olhos varrendo a escuridão. Manuel se juntou a ele, trazendo uma cuia de mate quente. "Tá pensando no quê, Gaudério? Na guerra ou nas tuas gurias lá em Bagé?" Waldemio deu um gole no mate, o amargo descendo quente.
"Nas duas coisas, compadre. Juca não voltou ainda. Se ele não chegou na estância, Maria e minha mãe tão à mercê de qualquer tropa que passar." Manuel coçou o queixo, o olhar perdido no horizonte. "Confia no guri. Ele é ligeiro. Mas, se quer saber, acho que a guerra vai chegar em Bagé antes do que tu pensa."
As palavras de Manuel pesaram como chumbo. Waldemio sabia que a revolta, que começara como um grito de liberdade, agora era um incêndio se espalhando pelo Rio Grande. Vilas inteiras tavam se juntando aos farroupilhas, mas o Império não ia ficar olhando. Rumores diziam que um general, vindo direto do Rio de Janeiro, tava organizando um exército pra esmagar a rebelião. "Se for verdade", pensou Waldemio, "vão querer fazer exemplo com a gente."
No dia seguinte, Bento Gonçalves chamou uma nova reunião. O galpão tava abarrotado de homens, o cheiro de suor e fumo enchendo o ar. "Gauchada", começou Bento, a voz grave, "a vitória no Gravataí e a defesa de Porto Alegre mostraram que somos duros na queda. Mas o Império tá mandando reforços. Precisamos agir antes que eles cheguem." O plano era ousado: dividir as forças. Antônio de Souza Netto seguiria pra Piratini, pra proclamar a República Rio-Grandense, enquanto Bento e um grupo menor, com Waldemio, ficariam pra segurar Porto Alegre e mandar destacamentos pro interior, levantando mais homens.
Waldemio foi incumbido de liderar um grupo de trinta cavaleiros até Caçapava, onde corria o boato de que estancieiros locais tavam dispostos a se juntar à causa. "É uma cavalgada braba, Gaudério", disse Bento, entregando um mapa rabiscado. "Mas confio na tua coragem. Leva a chama da revolta com tua lança." O Gaudério assentiu, mas o peito apertava. Caçapava era perto de Bagé. Talvez, com sorte, pudesse dar um pulo na estância e ver Maria e a mãe.
A partida foi ao amanhecer de 28 de setembro. Waldemio, montado em Relâmpago, liderava a tropa com Zé Pinto e outros homens do Gravataí. O caminho era longo, cortando coxilhas e cruzando rios inchados pela chuva. Durante a cavalgada, Zé Pinto, que não calava a boca, puxou conversa: "Tá com cara de quem tá com o coração na mão, Gaudério. É a família, né?" Waldemio resmungou, sem tirar os olhos do horizonte. "É, Zé. Mas também é essa guerra. Cada dia que passa, sinto o peso do sangue que nossa gente derrama. E do que ainda vai derramar."
Na segunda noite, acampados num potreiro, um cavaleiro surgiu do escuro, o cavalo espumando de cansaço. Era Juca, o batedor. Waldemio correu pra ele, o coração na boca. "Fala, guri! Chegaste em Bagé?" Juca, com o rosto sujo de poeira, assentiu. "Cheguei, Gaudério. Entreguei a carta pra Maria. Ela e dona Anahí tão escondidas numa tapera no mato, com uns vizinhos. Mas…" Ele hesitou, baixando os olhos. "Mas o quê, Juca? Desembucha!" O jovem engoliu seco. "Os imperiais passaram por Bagé. Queimaram umas estâncias, levaram gado. Tua casa… sobrou muto pouco."
Waldemio sentiu o chão sumir. A estância, o chão que seu avô defendera, o lugar onde crescera, reduzido a cinzas. Ele apertou os punhos, os nós dos dedos brancos. "E Maria? Minha mãe?" Juca apressou-se: "Tão vivas, Gaudério! Escondidas, como eu disse. Mas Bagé tá um caos. Os imperiais tão caçando qualquer um que fale dos farroupilhas."
A raiva subiu como bile na garganta de Waldemio. Ele queria galopar até Bagé, encontrar os imperiais e cravar o facão em cada um. Mas a missão em Caçapava vinha primeiro. "Obrigado, Juca", disse, a voz fria. "Descansa. Amanhã seguimos." O batedor assentiu, e Waldemio se afastou, indo sentar sozinho perto da fogueira.
O fogo crepitava, e ele via as chamas dançando, como se zombassem da sua dor. Pensou no avô Isidoro, na frase que nunca saía da cabeça: "Gaúcho não se curva." Mas, pela primeira vez, sentiu o peso de não curvar o cangote. Era mais que coragem, era carregar a dor, a raiva e a esperança, tudo ao mesmo tempo.
Olhou pro céu, as estrelas escondidas por nuvens. "Tô fazendo isso por vocês, Maria, mãe", murmurou. "E por ti, vô Isidoro. Não vou me vergar." Pegou o facão, passou o dedo no fio da lâmina, sentindo o frio do aço. A revolta, que antes era uma fogueira, agora era um braseiro que queimava tudo dentro dele. Caçapava seria só o começo. O Império ia aprender que mexer com um gaúcho era assinar a própria sentença.
Capítulo 6: O Fio da Esperança
O sol raiava fraco no dia 30 de setembro de 1835, como se tivesse medo de iluminar o caminho da tropa de Waldemio. O Gaudério cavalgava à frente, os olhos fundos de quem não pregara o olho. A notícia de Juca sobre a estância queimada em Bagé pesava mais que o facão na cintura. Cada passo de Relâmpago parecia ecoar a raiva que queimava no peito, mas ele mantinha a cara dura. "Gaúcho não chora na frente dos outros", pensava, repetindo as lições do avô Isidoro. Ainda assim, a imagem de Maria e dona Anahí escondidas numa tapera no mato não saía da cabeça.
A tropa, com trinta homens, cortava as coxilhas rumo a Caçapava. O terreno era traiçoeiro, com morros e arroios que obrigavam os cavalos a pisar com cuidado. Zé Durvalino, sempre falador, tentava animar o grupo com causos de estância, mas até ele tava mais quieto. "Tá sentindo o ar, Gaudério?", perguntou, mascando um talo de capim. "Cheira a encrenca." Waldemio resmungou, o olhar varrendo o horizonte. "Se for encrenca, Zé, que venha logo. Tô com coceira no facão."
Perto do meio-dia, a tropa parou pra descansar num potreiro à beira de um riacho. Enquanto os homens desselavam os cavalos e preparavam um mate, Waldemio subiu num morro pra espiar o caminho. Foi quando viu: uma nuvem de poeira ao longe, subindo como fumaça de incêndio. "Tropa!", gritou, descendo correndo. Os homens se armaram num átimo, lanças em riste, olhos estreitados. "Quantos, Gaudério?", perguntou Juca, já montando. "Uns vinte, talvez. Não sei se são imperiais ou estancieiros. Mas é melhor se preparar pro pior."
Waldemio dividiu os homens: metade ficou escondida no mato, pronta pra emboscar, enquanto ele liderava o resto numa formação aberta, como se fossem apenas tropeiros de passagem. Quando a tropa inimiga se aproximou, o coração do Gaudério deu um salto. Não eram imperiais. As roupas, os ponchos e o jeito de montar denunciavam gaúchos, mas não eram farroupilhas. "Loyalistas", murmurou Zé, cuspindo no chão. "Estancieiros que lambem as botas do Império."
O líder dos cavaleiros, um homem barbudo com chapéu de aba larga, ergueu a mão pra parar sua tropa. "Quem sois vós?", gritou, a voz carregada de desconfiança. Waldemio, com a mão no cabo do facão, respondeu firme: "Tropeiros de Bagé, indo pra Caçapava. E tu, quem é?" O homem riu, mas o riso era frio. "Sou Domingos de Almeida, estancieiro de São Gabriel. E sei quem são, farroupilhas. Acham que podem levantar o Rio Grande contra o Imperador? Vão acabar pendurados numa forca."
A tensão cortava o ar como faca. Waldemio sabia que não tinha como evitar o confronto. "Se é forca que queres, Domingos, vem buscar", retrucou, puxando a lança. Num piscar de olhos, a batalha explodiu. Os farroupilhas saíram do mato, gritando, enquanto Waldemio liderava a carga. Relâmpago voava pelo campo, e o Gaudério cravou a lança num dos loyalistas antes que o homem pudesse sacar a espada. O choque foi rápido, mas sangrento. Facões reluziam, cavalos relinchavam, e o chão logo ficou manchado de vermelho.
Domingos, montado num cavalo preto, era duro de derrubar. Ele acertou um golpe de sabre que pegou Zé Durvalino no ombro, fazendo o peão cair com um grito. Waldemio, vendo o amigo no chão, sentiu a raiva explodir. Galopou contra Domingos, o facão na mão, e os dois trocaram golpes como feras. "Por Bagé!", vociferou Waldemio, fincando o facão no peito do estancieiro. Domingos caiu, os olhos arregalados, e seu bando, sem líder, bateu em retirada.
Quando a poeira baixou, os farroupilhas contaram o estrago: três mortos, cinco feridos, incluindo Zé Durvalino, que gemia, mas tava vivo. Do lado dos loyalistas, sobrou pouco. Waldemio, ofegante, ajudou a amarrar os feridos. "Tá bem, Zé?", perguntou, enquanto enfaixava o ombro do amigo. Zé Durvalino deu um sorriso fraco. "Tô inteiro, Gaudério. Mas esse tal de Domingos quase me manda pro outro lado da coivara."
A tropa seguiu viagem, mais cautelosa. Chegaram a Caçapava na noite de 1º de outubro, recebidos por um grupo de estancieiros locais que já haviam jurado lealdade aos farroupilhas. O líder, um velho chamado Coronel Fagundes, apertou a mão de Waldemio. "Ouvimos da tomada de Porto Alegre, Gaudério. Vós são a esperança do Rio Grande." Waldemio concordou em parte, mas as palavras de Fagundes não aliviaram o peso no peito. Esperança era bom, mas esperança não trazia Maria e dona Anahí de volta pra casa, nem apagava o fogo que consumira a estância.
Naquela noite, acampado numa estância aliada, Waldemio se sentou junto ao fogo, o mate na mão. Juca, que tava se mostrando mais corajoso a cada dia, se aproximou. "Gaudério, tu acha que a gente vai vencer essa guerra?" Waldemio olhou pro guri, depois pro céu, onde as estrelas finalmente apareciam. "Não sei, Juca. Mas sei que, enquanto um gaúcho tiver facão na mão, o Império não vai dormir tranquilo."
Ele pensou no avô Isidoro, na frase que carregava como um talismã: "Gaúcho não se curva." Mas agora, com o conflito com os loyalistas ainda fresco na memória, ele sabia que não curvar também significava carregar cicatrizes, no corpo, na alma e no coração gaudério.
Capítulo 7: O Chamado do Rio Grande
A manhã de 2 de outubro de 1835 raiou com um sol tímido em Caçapava, como se o céu ainda pesasse o sangue derramado na véspera. Waldemio, O Gaudério, acordou com o braço dolorido e o coração inquieto. A vitória contra os loyalistas de Domingos de Almeida trouxera respeito dos estancieiros locais, mas também um aviso: o Império tava de olho, e cada passo dos farroupilhas era uma provocação. "É como dançar com uma víbora", disse Zé Durvalino, ainda com o ombro enfaixado, enquanto mascava um naco de charque. "A gente pisa firme, mas ela morde se descuidar."
O Coronel Fagundes, líder dos farroupilhas em Caçapava, reuniu Waldemio e os homens numa estância ampla, onde o cheiro de couro e fumaça se misturava ao relinchar dos cavalos. "Vós acendem uma fogueira, Gaudério", disse o velho, os olhos brilhando sob o chapéu gasto. "Metade de Caçapava tá pronta pra se juntar à revolta. A outra metade… bom, teme o chicote do Imperador." Waldemio anuiu, limpando o facão na barra do poncho. "Então vamos convencer os medrosos, coronel. Com palavra ou com lança, mas o Rio Grande vai se levantar."
O dia foi de trabalho bruto. Waldemio e sua tropa, agora engrossada por uns vinte peões de Caçapava, cavalgaram pelas estâncias vizinhas, falando com estancieiros e tropeiros. Alguns, como o jovem Pedro, um charqueador de barba rala, juntaram-se na hora, inflamados pelo sonho de liberdade. "O Império leva meu gado e me deixa com as sobras", cuspiu Pedro, amarrando a lança ao cavalo. Outros, mais cautelosos, prometiam apoio mas pediam tempo. "Tempo é o que não temos", retrucava Waldemio, a voz firme, mas sem perder a paciência. Sabia que cada homem convencido era uma lança a mais contra o Império.
Na tarde do dia 3, um cavaleiro estafeta chegou ao galope, trazendo notícias de Bento Gonçalves. Porto Alegre seguia firme, mas os imperiais tavam se reorganizando em Rio Grande, com reforços vindos de Santa Catarina. "Bento quer que nós apertemos o cerco no interior", leu Fagundes, franzindo a testa. "Piratini já tá com Netto, e Pelotas tá quase nossa. Caçapava precisa ser o próximo bastião." Waldemio ouviu, o peito apertado. Cada vila que se juntava era uma vitória, mas também um alvo maior pros imperiais. E Bagé, tão perto, ainda assombrava seus pensamentos.
Naquela noite, enquanto os homens se reuniam em torno de fogueiras, Waldemio tomou uma decisão. "Zé Durvalino, Juca, vou dar um pulo em Bagé", anunciou, selando o cavalo Relâmpago. "Quero ver Maria e minha mãe com meus próprios olhos." Zé Durvalino, que tostava um pedaço de carne no fogo, balançou a cabeça. "É loucura, Gaudério. Os imperiais tão rondando aquelas bandas. Se te pegarem…" Waldemio cortou: "Se eu não for, não durmo mais, ficam com Fagundes. Volto em dois dias." Juca, com o olhar de quem queria ir junto, só aceitou resignado. "Cuidado, Gaudério. Tua mãe não merece te perder."
A cavalgada até Bagé foi solitária, sob um céu cravejado de estrelas. Waldemio guiava Relâmpago por trilhas escondidas, evitando estradas onde patrulhas imperiais podiam rondar. Chegou ao amanhecer de 4 de outubro, o coração na boca ao ver o que restava da estância. A casa, onde crescera ouvindo os causos do avô, era só escombros enegrecidos. O potreiro, antes cheio de gado, tava vazio, exceto por uns corvos que bicavam o chão. "Malditos", murmurou, apertando o cabo do facão.
Seguindo as instruções de Juca, ele encontrou a tapera no mato, a uns dois quilômetros dali. Era uma choupana tosca, escondida entre taipas e árvores. Waldemio desmontou, o coração batendo forte, e chamou baixo: "Maria? Mãe?" Uma sombra moveu-se na escuridão, e Maria surgiu, as tranças desalinhadas, os olhos arregalados. "Waldemio!", gritou, correndo pra abraçá-lo. Dona Anahí veio atrás, mais lenta, o rosto marcado pela fadiga, mas com um brilho de alívio. "Graças a Deus, meu filho", sussurrou, apertando-o contra o peito.
Sentados na tapera, com uma vela tremeluzindo, Waldemio ouviu o relato. Os imperiais tinham passado por Bagé dias antes, queimando estâncias de quem simpatizava com os farroupilhas. "Levaram o gado, destruíram tudo", disse Maria, a voz tremendo. "Mas nos escondemos, como Juca mandou." Dona Anahí, segurando um terço, acrescentou: "Rezo todo dia por ti, Waldemio. E pela tua luta. Teu avô estaria orgulhoso." O Gaudério engoliu o nó na garganta. "Ele tá vendo, mãe. E eu não vou parar. Mas vocês precisam ir pra Caçapava. Lá tá mais seguro, com os nossos."
Convencer dona Anahí foi duro, a mulher não queria abandonar o que restava do chão da família, mas Maria, com seu jeito quieto mas firme, apoiou a decisão. "Nós vamos, Waldemio. Mas tu prometes que não vai se meter em mais encrenca do que pode aguentar." Ele riu, pela primeira vez em dias. "Prometo tentar, Maria."
Na manhã seguinte, Waldemio escoltou as duas até uma carroça de um vizinho de confiança, que as levaria a Caçapava. Antes de partir, Maria entregou a ele um lenço bordado com as iniciais do avô. "Pra te dar sorte", disse, os olhos marejados. Waldemio guardou o lenço no bolso do poncho, sentindo o peso da responsabilidade crescer. "Vou voltar pra Vós", prometeu, montando Relâmpago.
Enquanto cavalgava de volta pra Caçapava, o vento trazia o cheiro de terra e luta. A revolta farroupilha, que começara como uma faísca, agora era um incêndio que ninguém podia apagar. Waldemio apertou o lenço no bolso, pensando no avô. "Gaúcho não se curva", murmurou, e pela primeira vez sentiu que, apesar da dor, havia um fio de esperança. O Rio Grande tava chamando, e ele ia responder com a lança na mão.
Capítulo 8: A Forja da Resistência na Luta
O céu de Caçapava, no dia 6 de outubro de 1835, ardia num vermelho de fim de tarde, como se o próprio sol quisesse avisar que a guerra não dava trégua. Waldemio, O Gaudério, voltou ao acampamento farroupilha com o coração mais leve, sabendo que Maria e dona Anahí tavam a caminho, protegidas pelo vizinho. Mas a leveza durava pouco. O Coronel Fagundes, com a cara fechada, recebeu-o com notícias ruins. "Os imperiais tão se mexendo, Gaudério", disse, apontando um mapa rabiscado. "Uma tropa grande, vinda de Rio Grande, tá marchando pra cá. Querem cortar nosso fôlego antes que a revolta se espalhe."
Waldemio coçou a barba, os olhos fixos no mapa. Caçapava era chave: quem controlasse a vila dominava as estradas pro interior, onde mais estancieiros podiam se juntar aos farroupilhas. "Quantos são?", perguntou, a voz calma, mas com um fio de tensão. Fagundes suspirou. "Uns duzentos, talvez mais. E trazem canhões. A gente tem cem homens, no máximo, e meia dúzia de espingardas que mais engasgam que atiram." Zé Durvalino, que ouvia encostado numa carreta, deu uma risada rouca. "Canhões? Então é bom a gente aprender a dançar com bala, Gaudério!"
Apesar do peso, Waldemio não deixou o desânimo tomar conta. Passou a noite ajudando a organizar defesas. Trincheiras foram cavadas nos acessos à vila, e carroças velhas viraram barricadas. Os homens, muitos recém-chegados, tavam verdes, mas o brilho nos olhos mostrava que a causa valia o risco. "Se o Império acha que vai nos esmagar, vai engolir poeira", disse Waldemio, afiando a lança enquanto falava com Juca. O guri, que já se provara valente, assentiu. "Por nossa terra, Gaudério. Até o fim."
Na manhã de 7 de outubro, a poeira no horizonte anunciou a chegada dos imperiais. Waldemio, montado em Relâmpago, liderava um grupo de cavaleiros numa colina, espiando o inimigo. Eram muitos, com uniformes azuis reluzindo ao sol e dois canhões puxados por mulas. O comandante, um tal de Major Fonseca, cavalgava à frente, a espada erguida como se já fosse dono da vila. "Olha o convencido", murmurou Zé Durvalino, cuspindo no chão. Waldemio apertou o lenço de Maria no bolso do poncho. "Deixa ele vir, Zé Durvalino. Gaúcho não se curva."
O plano de Fagundes era simples: atrair os imperiais pras trincheiras, onde seriam alvos fáceis, e usar a cavalaria de Waldemio pra flanquear e bagunçar a formação. Quando o primeiro canhonaço ecoou, arrancando terra perto da vila, os farroupilhas se agacharam, mas não correram. "Aguenta firme, gauchada!", gritou Waldemio, enquanto os imperiais avançavam, confiantes. A infantaria deles marchava em linha, baionetas brilhando, mas o terreno lamacento, molhado pelas chuvas, atrapalhava o passo.
Quando os inimigos tavam a cinquenta metros das trincheiras, Fagundes deu o sinal. Uma saraivada de tiros, misturada com gritos e lanças, caiu sobre os imperiais. Waldemio, liderando a cavalaria, saiu do flanco como um raio, Relâmpago galopando com fúria. Ele cravou a lança num soldado, girou o facão contra outro e viu seus homens fazerem o mesmo. O caos tomou conta: os imperiais, pegos de surpresa, tentavam se reagrupar, mas os gaúchos eram rápidos, movendo-se como vento entre os cavalos.
Major Fonseca, montado num cavalo branco, berrava ordens, tentando salvar a formação. Waldemio, vendo o comandante, galopou direto pra ele. "Por Bagé!", gritou, a lança apontada. Fonseca ergueu a espada, mas Relâmpago era mais rápido. A lança pegou o major no ombro, derrubando-o na lama. Sem líder, a tropa imperial começou a ceder, e quando o segundo canhão foi virado por Zé Durvalino e uns peões, o pânico se espalhou. Os inimigos bateram em retirada, deixando mortos, feridos e um dos canhões pra trás.
A vitória foi festejada com mate e cachaça, mas o preço foi alto. Dez farroupilhas tombaram, e outros tantos tavam feridos. Waldemio, com um corte novo na perna, mancava enquanto ajudava a carregar os caídos. "Seguramos Caçapava, Gaudério", disse Fagundes, batendo no ombro dele. "Mas vão mandar mais. Sempre mandam." Waldemio assentiu, o olhar duro. "Que mandem, coronel. Vamos forjando o Rio Grande no fogo."
Naquela noite, enquanto o acampamento se aquietava, Waldemio recebeu a notícia que esperava: Maria e dona Anahí tinham chegado a Caçapava, abrigadas na estância de um aliado. Ele correu pra vê-las, o coração batendo forte. Na choupana, Maria o abraçou, os olhos vermelhos de cansaço. "Tu tá vivo, Waldemio. Graças a Deus." Dona Anahí, segurando o terço, puxou-o pra perto. "Teu avô dizia que gaúcho não se curva. Mas também dizia pra cuidar da família. Não esquece disso, meu filho."
Waldemio sorriu, sentindo o lenço de Maria no bolso. "Não esqueço, mãe. E agora vocês tão aqui, a luta vale mais ainda." Ele olhou pras duas, depois pro céu, onde as estrelas brilhavam claras. A revolta farroupilha era mais que uma guerra era um juramento. E O Gaudério, com o sangue e a esperança correndo nas veias, sabia que cada batalha o tornava mais forte, mais gaúcho, mais livre.
Capítulo 9: O Fogo que Não Apaga
A noite de 8 de outubro de 1835 caiu sobre Caçapava com um silêncio pesado, quebrado só pelo crepitar das fogueiras e pelos gemidos dos feridos. A vitória contra a tropa do Major Fonseca trouxera um alívio momentâneo, mas Waldemio, O Gaudério, sabia que o Império não ia engolir a derrota quieto. Sentado numa carreta, ele limpava o facão, o corte na perna ainda latejando sob o pano sujo. O lenço de Maria, guardado no bolso do poncho, era um lembrete do que valia a luta: família, terra, liberdade.
Zé Durvalino, com o ombro enfaixado mas a língua afiada como sempre, aproximou-se, trazendo uma cuia de mate. "Tá com cara de quem viu assombração, Gaudério", disse, entregando a cuia. "É a perna ou a cabeça que tá doendo?" Waldemio deu um gole, o amargo aquecendo a garganta. "É tudo, Zé. A gente segurou Caçapava, mas o preço tá alto. E o Império não vai parar." Zé Durvalino cuspiu no chão, o olho brilhando na luz do fogo. "Que venham, compadre. Gaúcho não amolece. E tu, mais que ninguém, sabe disso."
Na manhã seguinte, o Coronel Fagundes reuniu os homens pra traçar o próximo passo. A estância onde tavam acampados cheirava a couro, suor e esperança. "Gauchada", começou Fagundes, a voz rouca, "Caçapava é nossa, mas Piratini tá se tornando o coração da revolta. Antônio de Souza Netto mandou notícia: a República Rio-Grandense vai ser proclamada lá, dia 11. Precisamos mandar homens pra reforçar a causa." Os olhos dos presentes faiscaram. Uma república gaúcha era mais que um sonho, era o grito de um povo que não se vergava.
Waldemio foi escolhido pra liderar um grupo de vinte cavaleiros até Piratini, levando armas e mantimentos. "É uma cavalgada perigosa, Gaudério", avisou Fagundes. "Os imperiais tão rondando as estradas, e os loyalistas tão mais bravos que nunca." Waldemio assentiu, apertando o cabo do facão. "Se é pra fazer história, coronel, que seja com a lança na mão." Ele olhou pra Maria e dona Anahí, que tavam ajudando as mulheres do acampamento a preparar comida pros homens. Maria, com as tranças presas, encontrou o olhar do gaudério, deu um aceno firme. "Vai com Deus, Waldemio", disse, a voz carregada de orgulho.
A tropa partiu ao meio-dia, com Waldemio na frente, montado em Relâmpago. Zé Durvalino, apesar do ombro machucado, insistiu em ir. "Não vou ficar tostando charque enquanto tu enfrenta imperial, Gaudério", brincou, ajustando o poncho. Juca, agora um batedor indispensável, cavalgava ao lado, os olhos atentos a qualquer sinal de emboscada. A estrada pra Piratini era um risco em cada curva, com matos cerrado e morros que escondiam perigos.
No segundo dia, perto de um arroio, o instinto de Waldemio disparou. "Para a tropa", ordenou, erguendo a mão. Juca, que tava à frente, voltou galopando. "Tem movimento no mato, Gaudério. Uns dez cavaleiros, talvez mais. Não parecem nossos." Waldemio estreitou os olhos, sentindo o vento trazer o cheiro de cavalos e pólvora. "Loyalistas", murmurou. "Ou pior."
Ele dividiu os homens: Juca levou cinco pra flanquear pelo mato, enquanto Waldemio e Zé Durvalino ficaram com o resto, prontos pra enfrentar o que viesse. Quando os inimigos saíram do esconderijo, o Gaudério viu que não eram simples loyalistas. Eram dragões imperiais, com uniformes bem cortados e carabinas novas. "Por nossa terra!", gritou Waldemio, puxando a lança, e a tropa avançou como um trovão.
A batalha foi feroz. Os dragões atiravam com precisão, e dois farroupilhas caíram antes mesmo de chegar perto. Waldemio, com Relâmpago dançando entre os tiros, cravou a lança num oficial, enquanto Zé Durvalino, gritando como louco, derrubava outro com o facão. Juca e seu grupo atacaram pela retaguarda, confundindo os imperiais. O confronto terminou com os dragões fugindo, deixando seis mortos e armas espalhadas no chão. Mas a vitória custou caro: três farroupilhas mortos, quatro feridos.
Waldemio, com um arranhão novo no rosto, ajudou a amarrar os feridos. Zé Durvalino, ofegante, limpava o sangue do facão. "Esses dragões eram duros, Gaudério. O Império tá jogando pesado." Waldemio assentiu, o olhar perdido no horizonte. "Tão com medo, Zé. A República tá nascendo, e eles sabem que não vão apagar esse fogo."
Na noite de 10 de outubro, a tropa chegou exausta a Piratini. Antônio de Souza Netto recebeu Waldemio com um aperto de mão firme. "Tu é o Gaudério, né? O homem que segurou Caçapava e abriu caminho até aqui. Amanhã, proclamamos a República. Tua lança vai estar na história."
Waldemio sorriu, mas o peso da guerra não saía do peito. Ele pensou no avô Isidoro, na frase que o guiava: "Gaúcho não se curva." Enquanto olhava as fogueiras de Piratini, sentiu que o fogo da revolta, agora um braseiro indomável, tava forjando não só uma república, mas um povo.
Capítulo 10: O Espírito de Sepé
A manhã de 11 de outubro de 1835 raiou em Piratini com um sol que parecia abençoar a terra. As ruas da vila fervilhavam de gaúchos, tropeiros e peões, todos de poncho e lança, prontos pra ver a República Rio-Grandense nascer. Waldemio, O Gaudério, tava no meio da multidão, Relâmpago amarrado a um mourão. O corte na perna e o arranhão no rosto doíam, mas o brilho nos olhos de quem via a história se fazer era mais forte. Zé Durvalino, ao seu lado, ajustava o chapéu, o ombro ainda enfaixado. "Tá sentindo, Gaudério? É o Rio Grande respirando livre", disse, com um sorriso torto.
Antônio de Souza Netto, montado numa carreta no centro da praça, ergueu a voz: "Hoje, gauchada, proclamamos a República Rio-Grandense! Somos homens livres, donos do nosso destino, e ninguém vai nos pôr de joelhos!" A multidão explodiu em vivas, chapéus voando pro alto. Waldemio bateu a lança no chão, o coração inchado. Mas, no fundo, uma pulga coçava: a guerra tava só começando, e o Império não ia assistir de braços cruzados.
Enquanto os homens festejavam com mate e cachaça, um burburinho cresceu na entrada da vila. Waldemio, sempre alerta, puxou Zé Durvalino e Juca pra ver o que era. Uma tropa de uns trinta cavaleiros se aproximava, mas não eram gaúchos comuns. Vestiam mantas coloridas, carregavam arcos e lanças curtas, e seus rostos morenos traziam pinturas que lembravam tempos antigos. À frente, um homem de meia-idade, com penas trançadas no cabelo e uma lança enfeitada com fitas, cavalgava com a dignidade de um chefe. "Índios", murmurou Juca, os olhos arregalados. "Guaranis, parece."
O líder desmontou e caminhou até Netto, que desceu da carreta pra recebê-lo. A praça ficou em silêncio, todos curiosos. "Sou Tupi, dos guaranis das Missões", disse o homem, a voz firme, com um sotaque que misturava o português ao eco da língua antiga. "Viemos por Sepé Tiaraju, nosso avô, que lutou por esta terra antes de nós. O sangue dele corre em mim, e minha gente não quer o jugo do Império. Se lutam por liberdade, lutaremos convosco." Netto, surpreso, apertou a mão de Tupi. "Seja bem-vindo, irmão. A causa farroupilha é de todos que amam esta terra."
Waldemio, ouvindo tudo, sentiu um arrepio. Cresuera ouvindo histórias de Sepé Tiaraju, o guerreiro guarani que, quase um século antes, liderara os povos das Missões contra os portugueses e espanhóis. "Esta terra é nossa por direito, e dela não sairemos", dizia a lenda que Sepé gritara antes de tombar em 1756. O avô Isidoro contava os causos com reverência, como se Sepé fosse mais que homem, um espírito da própria coxilha. Ver os guaranis ali, com o nome de Sepé na boca, era como se o passado cavalgasse ao lado do presente.
Mais tarde, na estância onde os farroupilhas se reuniam, Waldemio se aproximou de Tupi, que afiava uma lança junto aos seus. "Teu avô, Sepé, é uma lenda pras nossas bandas", disse, oferecendo uma cuia de mate. Tupi aceitou, os olhos escuros brilhando. "Sepé não morreu, Gaudério. Ele vive na terra, no vento, em nós. O Império quis apagar nosso povo, mas guaranis não se curvam. Como vocês, gaúchos." Waldemio sorriu, sentindo um laço invisível se formar. "Então somos irmãos, Tupi. Gaúcho e guarani, juntos pelo Rio Grande."
A chegada dos guaranis mudou o ânimo do acampamento. Os índios trouxeram não só guerreiros, mas conhecimento do terreno, habilidades de rastreio e uma coragem que parecia vir de outro tempo. Tupi e seus homens ensinaram os farroupilhas a fazer emboscadas silenciosas, usando o mato como aliado. Em troca, Waldemio e Zé Durvalino mostraram como manejar a lança em carga de cavalaria. "Teus guris são ligeiros, Tupi", brincou Zé Durvalino, depois de ver um guarani acertar um alvo a trinta metros com uma flecha. Tupi riu. "E teus gaúchos são teimosos. Boa mistura."
Mas a festa da proclamação durou pouco. Na noite do dia 12, um batedor chegou a galope, o cavalo espumando. "Imperiais!", gritou. "Uma tropa grande, vinda de Jaguarão, tá marchando pra Piratini. Trazem canhões e uns trezentos homens!" Netto, Fagundes e os outros líderes se reuniram às pressas. Waldemio, chamado pra opinar, ouviu o plano: Piratini seria defendida a qualquer custo, mas a batalha exigiria tudo o que tinham. Tupi, presente na reunião, ergueu a mão. "Meus homens conhecem os caminhos do mato. Podemos atrasar os imperiais, fazer eles sangrarem antes de chegar." Netto assentiu. "Então que seja, Tupi. Gaudério, tu vais com ele. Juntos, vão morder o calcanhar do Império."
Na madrugada de 13 de outubro, Waldemio, Tupi e um grupo misto de guaranis e gaúchos partiram pras coxilhas ao sul de Piratini. Usando as táticas de Tupi, esconderam-se num capão de mato, esperando a vanguarda imperial. Quando os primeiros soldados apareceram, com seus uniformes azuis manchados de poeira, os guaranis atacaram com flechas silenciosas, derrubando meia dúzia antes que os inimigos entendessem o que tava acontecendo. Waldemio e seus cavaleiros entraram na sequência, lanças e facões reluzindo. "Por Sepé! Pelo Rio Grande!", gritou o Gaudério, cravando a lança num oficial.
O ataque foi rápido, mas deixou os imperiais em desordem, com dez mortos e outros tantos feridos. A tropa farroupilha recuou antes que os canhões fossem posicionados, levando consigo armas capturadas. De volta ao acampamento, Tupi bateu no ombro de Waldemio. "Sepé tá vendo, Gaudério. Ele aprova." Waldemio sorriu, sentindo o lenço de Maria no bolso. "E meu avô Isidoro também, Tupi. Gaúcho e guarani, ninguém nos para."
Enquanto Piratini se preparava pra batalha maior, Waldemio olhou pras fogueiras, onde guaranis e gaúchos dividiam mate e histórias. O espírito de Sepé Tiaraju, trazido pelos filhos das Missões, era como vento avivando o fogo da revolta. O Gaudério sabia: com irmãos como aqueles, o Império podia mandar quantos quisesse. O Rio Grande não ia se curvar.
Capítulo 11: O Rugido de Piratini
O amanhecer de 14 de outubro de 1835 trouxe um céu carregado sobre Piratini, com nuvens escuras que pareciam pressagiar o trovão da guerra. Waldemio, O Gaudério, acordou com o corpo moído, mas o espírito afiado como o facão na cintura. A emboscada com Tupi e os guaranis atrasara os imperiais, mas a tropa principal, com seus trezentos homens e canhões, tava a um dia de marcha. Piratini, recém-proclamada capital da República Rio-Grandense, era agora um alvo brilhando pros olhos do Império. "Se perdermos aqui, Gaudério, a revolta vira cinza", disse Zé Durvalino, amarrando o poncho enquanto mascava um talo de capim.
Antônio de Souza Netto e o Coronel Fagundes reuniram os líderes numa estância nos arredores da vila. O ar cheirava a pólvora, couro e tensão. "Gauchada", começou Netto, a voz firme, "os imperiais querem esmagar a República antes que ela crie raízes. Mas Piratini é nosso chão, e aqui eles vão quebrar os dentes!" O plano era claro: usar o terreno a favor, com trincheiras nas entradas da vila e emboscadas nos morros. Tupi, o líder guarani, levantou a mão. "Meus homens podem guiar pelos matos, cortar os flancos deles. O espírito de Sepé está conosco." Waldemio, ao lado, assentiu. "Guarani e gaúcho, Tupi. Vamos fazer o Império engolir poeira."
A preparação foi febril. Waldemio liderava um grupo de cavaleiros, reforçado por dez guaranis de Tupi, posicionando barricadas e cavando armadilhas nos caminhos. Os guaranis, com sua sabedoria do mato, espalharam espinhos e cordas escondidas pra derrubar cavalos inimigos. Zé Durvalino, apesar do ombro machucado, dava ordens aos peões, rindo alto pra espantar o medo. "Se eu tombar, Gaudério, guarda minha cachaça!", brincou, mas o olhar sério traía a bravata. Juca, o batedor, corria de um lado pro outro, levando mensagens e espiando o horizonte.
Ao meio-dia de 15 de outubro, a poeira no sul anunciou a chegada dos imperiais. Waldemio, de uma colina, viu a tropa: fileiras de soldados em azul, bandeiras tremulando, e três canhões puxados por mulas. À frente, um general de bigodes grisalhos, montado num cavalo baio, gritava ordens. "É o General Vargas", sussurrou Juca, que conhecia os boatos. "Dizem que ele não perdoa rebelde." Waldemio cuspiu no chão. "Então que venha, guri. Gaúcho não se curva, e guarani também não."
A batalha começou com um estrondo. Os canhões imperiais cuspiram fogo, arrancando terra e estilhaçando uma barricada. Os farroupilhas responderam com tiros de espingarda e flechas guaranis, que voavam silenciosas do mato. Waldemio, com Relâmpago em disparada, liderou a cavalaria num ataque ao flanco direito, onde os soldados tavam desprotegidos. "Por Sepé! Pelo Rio Grande!", berrou, a lança cravando num dragão imperial. Tupi e seus guaranis surgiram do outro lado, flechas e boleadeiras derrubando homens como se fossem gado.
O choque foi brutal. O lamaçal, fruto das chuvas, atrapalhava os imperiais, mas os gaúchos e guaranis, acostumados ao terreno, moviam-se como lobos. Waldemio enfrentou um oficial que tentou cortá-lo com um sabre. Num giro rápido, ele desarmou o homem com o facão e o derrubou com um soco. Zé Durvalino, gritando como louco, derrubava soldados com uma clava improvisada, enquanto Tupi, com uma lança curta, parecia dançar entre os inimigos, cada golpe preciso como uma flecha.
Mas o Império não cedia fácil. Um canhonaço atingiu uma trincheira, matando cinco farroupilhas de uma vez. Vargas, do alto de seu cavalo, reagrupava a tropa, mandando a infantaria avançar. Netto, vendo o risco, gritou: "Segurem a praça, gauchada! Piratini não cai!" Waldemio, coberto de lama e sangue, galopou até o centro da vila, onde Fagundes coordenava a defesa. "Temos que quebrar os canhões, coronel!", disse, ofegante. Fagundes consentiu. "Leva Tupi e quem puder. É agora ou nunca."
Waldemio, Tupi e um grupo misto de cento e vinte homens partiram numa carga suicida. Usando o mato como cobertura, os guaranis atiraram flechas pra distrair os artilheiros, enquanto Waldemio e seus cavaleiros atacaram. Relâmpago saltou uma barricada, e o Gaudério cravou a lança num canhoneiro. Tupi, com uma boleadeira, derrubou outro. Num esforço bruto, eles viraram um dos canhões, e Juca, com uma coragem que ninguém esperava, ateou fogo à pólvora, explodindo o segundo. O estrondo abalou os imperiais, que começaram a recuar.
Quando o sol caiu, a batalha terminou. O chão de Piratini tava manchado de vermelho, com dezenas de mortos dos dois lados. Os farroupilhas perderam trinta homens, mas seguraram a vila. Vargas, com sua tropa dizimada, bateu em retirada, deixando dois canhões e um rastro de derrota. A praça explodiu em vivas, guaranis e gaúchos abraçados, as vozes roucas de tanto gritar.
Naquela noite, Waldemio se sentou junto a uma fogueira, o lenço de Maria na mão. Tupi se aproximou, oferecendo uma erva que os guaranis mascavam pra aliviar a dor. "Sepé tá orgulhoso, Gaudério", disse, o rosto pintado iluminado pelo fogo. Waldemio sorriu, exausto. "E meu avô Isidoro também, Tupi. Fizemos história hoje." Zé Durvalino, com um curativo novo na testa, jogou uma cachaça pro Gaudério. "Por Piratini, compadre! E pela República!"
Mas, enquanto as chamas dançavam, Waldemio pensava em Maria e dona Anahí, seguras em Caçapava, e no preço da liberdade. A vitória em Piratini era um rugido, mas o Império ainda tinha dentes. Ele apertou o facão, sentindo o peso do que vinha pela frente. "Gaúcho não se curva", murmurou, e pela primeira vez viu, nas sombras do fogo, o espírito de Sepé Tiaraju cavalgando ao lado do seu avô. O Rio Grande tava vivo, e o Gaudério ia lutar até o fim.
Capítulo 12: As Chamas da Nova República
A vitória em Piratini, no dia 15 de outubro de 1835, ainda ecoava nos corações dos farroupilhas, mas o descanso era um luxo que ninguém podia pagar. Waldemio, O Gaudério, passava os dias ajudando a reforçar as defesas da vila, agora o coração pulsante da República Rio-Grandense. O corte na perna tava cicatrizando, mas a alma carregava o peso de cada homem tombado. Sentado numa carreta, ele afiava o facão, o lenço de Maria no bolso do poncho como um talismã. "Gaúcho não se curva", murmurava, pensando no avô Isidoro e no espírito de Sepé Tiaraju, que parecia rondar as fogueiras do acampamento.
Piratini fervilhava com a consolidação da República. Antônio de Souza Netto, agora presidente interino, organizava um governo de verdade: juízes, tesoureiros e até uma imprensa pra espalhar a história documentada da revolta. Tupi e seus guaranis, indispensáveis na batalha, tavam integrados ao acampamento, ensinando os gaúchos a ler o terreno e trazendo um folego novo à causa. Zé Durvalino, com o ombro quase curado, não parava de falar.
"Tá vendo, Gaudério? não só ganhamos uma batalha, mas tá construindo um país!", disse, apontando pra bandeira verde, vermelha e amarela da República Rio-grandense tremulando na praça. Waldemio riu, mas o olhar era sério. "País é bom, Zé, mas sem lança na mão, ele não dura."
Enquanto a República tomava forma, notícias de Caçapava chegaram por Juca, que galopava como se o vento fosse seu irmão. Maria e dona Anahí tavam seguras, mas a vila enfrentava problemas: falta de mantimentos e rumores de loyalistas rondando as estâncias. Waldemio, preocupado, pediu a Netto pra mandar reforços. "Minha família tá lá, presidente. E Caçapava é tão nossa quanto Piratini." Netto, coçando a barba, consentiu. "Vais tu mesmo, Gaudério. Leva cinquenta homens, incluindo uns guaranis de Tupi, e traz tua irmã e tua mãe pra cá. Piratini precisa de mãos fortes, até das mulheres."
A cavalgada até Caçapava, começada em 18 de outubro, foi tensa. Waldemio liderava a tropa, com Tupi e Juca ao lado. Zé Durvalino, teimoso como mula, insistiu em ir. "Não vou deixar tu e os índios terem toda a graça, compadre", brincou, ajustando a lança. O caminho tava quieto demais, e Waldemio, com o instinto afiado, sabia que silêncio assim cheirava a emboscada. Perto de um arroio, Tupi ergueu a mão. "Tem cheiro de pólvora no vento, Gaudério." Antes que Waldemio respondesse, tiros cortaram o ar, e uma tropa de uns quarenta loyalistas, escondida no mato, atacou.
A batalha foi um redemoinho. Os guaranis de Tupi responderam com flechas, enquanto Waldemio e seus cavaleiros carregaram com lanças e facões. "Por nossa terra!", gritou o Gaudério, derrubando um loyalista com um golpe de facão. Zé Durvalino, rindo como louco, cravou a lança em outro. Tupi, com uma boleadeira, derrubou um cavalo inimigo, e Juca, rápido como um gavião, desarmou um atirador com uma pedra.
Os loyalistas, pegos de surpresa pela ferocidade, fugiram, deixando dez mortos e armas espalhadas. Do lado farroupilha, dois feridos, mas nenhum tombado. "Sepé tá nos guiando", disse Tupi, limpando a lança. Waldemio assentiu, o peito ofegante. "E Isidoro também, irmão."
Chegaram a Caçapava na noite de 19 de outubro. Waldemio correu pra estância onde Maria e dona Anahí tavam abrigadas. O reencontro foi um bálsamo: Maria, com as tranças presas e as mãos calejadas de tanto ajudar no acampamento, abraçou o irmão. "Tu tá inteiro, Waldemio. Graças a Deus." Dona Anahí, com o terço na mão, sorriu, mas o rosto tava marcado pela preocupação. "Caçapava tá sofrendo, filho. Falta comida, e os loyalistas não param de rondar." Waldemio apertou a mão da mãe. "Vão comigo pra Piratini, as duas. Lá é mais seguro, e a República precisa de vocês."
Maria, que sempre fora quieta, surpreendeu. "Quero fazer mais, Waldemio. Em Piratini, posso ajudar as mulheres, cuidar dos feridos, costurar bandeiras. Não vou só ficar esperando." Dona Anahí, orgulhosa, assentiu. "Se minha filha vai, eu vou. Gaúcho não se curva, e mulher gaúcha também não." Waldemio sentiu o peito inchar. "Então tá combinado. Vocês são farroupilhas agora."
A volta a Piratini, com Maria, dona Anahí e um grupo de reforços de Caçapava, foi mais tranquila, mas o horizonte trazia sombras. Em 22 de outubro, um batedor chegou com notícias pesadas: o Império, furioso com a derrota em Piratini, tava mandando uma nova tropa, liderada por um coronel chamado Barreto, com quatrocentos homens e artilharia pesada. "Vão tentar tomar Piratini de uma vez", disse Netto, reunindo os líderes. Tupi, com o olhar firme, falou: "Os guaranis conhecem os caminhos. Podemos atrasar eles, como fizemos antes." Waldemio completou: "E a gauchada vai segurar a vila. Piratini é nossa, e ninguém vai nos tira."
Naquela noite, enquanto Maria e dona Clara se instalavam no acampamento, ajudando a preparar comida e curativos, Waldemio se sentou com Tupi e Zé Durvalino junto a uma fogueira. Maria, trazendo uma cuia de mate, juntou-se a eles. "Ouvi falar de Sepé Tiaraju, Waldemio", disse, a voz suave mas firme. "Ele lutou pela terra, como nós. Acho que tá nos olhando." Tupi sorriu, passando a erva-mate do chimarrão guarani. "Tá sim, guria.
Sepé vive em cada um que não se verga." Waldemio olhou pra irmã, tocou o lenço no bolso, pras chamas dançando. "E Isidoro também, Maria. A República tá nascendo, e nós somos o fogo que não apaga." Enquanto as estrelas brilhavam, Waldemio sentiu a força da união: gaúchos, guaranis, mulheres como Maria e dona Anahí, todos forjando um sonho maior que a guerra. O Império podia trazer seus canhões, mas o Rugido de Piratini, agora reforçado pelas mãos de todos, não ia se calar.
Capítulo 13: O Grito dos Lanceiros
A manhã de 23 de outubro de 1835 raiou em Piratini com um calor abafado, como se a terra suasse sob o peso da guerra iminente. Waldemio, O Gaudério, tava no acampamento, ajudando a reforçar barricadas enquanto a vila se preparava pra enfrentar a tropa de quatrocentos homens do Coronel Barreto. O facão na cintura e o lenço de Maria no bolso do poncho eram seus companheiros constantes, mas o peito apertava com a certeza de que cada batalha cobrava um preço mais alto. "Gaúcho não se curva", murmurava, pensando no avô Isidoro, no espírito de Sepé Tiaraju e na República que nascia em meio ao sangue de um povo heroico e persistente.
No acampamento, Maria e dona Anahí já eram parte do coração da resistência. Maria, com as tranças presas, cuidava dos feridos, enfaixando cortes com mãos firmes, enquanto dona Anahí, com seu terço e sua força de mãe, organizava as mulheres pra cozinhar, costurar roupas, palas e ponchos e bandeiras da República. "Tua irmã é braba, Gaudério", disse Zé Durvalino, carregando um saco de arroz pro rancho. "E tua mãe é um rochedão. Não sei quem é mais teimoso, tu ou elas." Waldemio riu, mas o olhar tava no horizonte, onde a poeira dos imperiais podia surgir a qualquer hora.
Enquanto a vila se armava, um burburinho cresceu na entrada de Piratini. Waldemio, sempre de olho, chamou Juca e Tupi pra ver o que era. Uma tropa de uns cinquenta cavaleiros se aproximava, movendo-se com disciplina, mas sem os uniformes pomposos dos imperiais. Eram homens negros, alguns com cicatrizes visíveis de correntes, outros com o porte de quem nascera livre, todos armados com lanças longas e facões. À frente, um homem alto, de pele retinta e olhar de aço, cavalgava um cavalo tordilho. Seu poncho rasgado não escondia a autoridade. "Quem são esses, Tupi?", perguntou Waldemio, a mão no cabo do facão. O guarani estreitou os olhos. "Guerreiros, Gaudério. Como nós."
O líder desmontou e caminhou até Antônio de Souza Netto, que saiu do galpão pra recebê-lo. A praça ficou quieta, todos curiosos tensos. "Sou Fidencio Silva, líder dos Lanceiros Negros", disse o homem, a voz grave cortando o ar. "Viemos de Pelotas, onde lutamos com Vicente da Fontoura. Somos ex-escravizados, libertos, mas todos os homens que querem liberdade o Império nos acorrenta, mas a República promete um chão pra todos. Se nos aceitam, nossas lanças são suas." Netto, com um brilho nos olhos, apertou a mão de Fidencio Silva. "Bem-vindos, irmãos. A República é de todos que lutam por ela. Gaúcho, guarani, lanceiro, somos um só."
Waldemio, ouvindo tudo, sentiu o peito inchar. Sabia dos Lanceiros Negros por boatos: homens que, em troca da promessa de liberdade, pegavam em armas com uma coragem que fazia o Império tremer. Muitos eram ex-escravizados, tirados das charqueadas ou fazendas, e outros, libertos, juntavam-se por justiça. Ver Fidencio Silva e seus homens ali, com lanças que pareciam gritar por redenção, era como ver o próprio Rio Grande se levantar. "Sepé aprovaria esses guris", sussurrou Tupi, com um meio sorriso. Waldemio concordou. "E Isidoro também, Tupi. Esses são dos nossos."
Naquela tarde, Fidencio Silva, Manuel e os Lanceiros Negros se juntaram ao acampamento, trazendo não só força, mas histórias de resistência e amor ao Rio Grande. Waldemio se aproximou de Fidencio Silva enquanto os lanceiros descarregavam mantimentos capturados de loyalistas. "Ouvi falar dos lanceiros, Fidencio Silva", disse, oferecendo uma cuia de mate. "Dizem que vocês enfrentam o diabo sem piscar." Fidencio Silva pegou a cuia, o olhar firme. "O diabo é o chicote, Gaudério. já enfrentamos ele a vida toda. Agora, com a lança, é a nossa vez de falar." Waldemio sentiu um respeito profundo. "Então falem alto, irmão. O Rio Grande tá ouvindo e o Império ouvirá."
Os Lanceiros Negros logo mostraram seu valor. Fidencio Silva, com sua experiência em combates em Pelotas, sugeriu táticas de carga rápida, usando a velocidade dos cavalos e lanças pra quebrar linhas inimigas. Tupi e seus guaranis, mestres do mato, e arco e flexas combinaram suas emboscadas silenciosas com as investidas dos lanceiros, criando um plano que deixava Netto animado. "Com gaúchos, guaranis e lanceiros, Piratini é uma fortaleza!", exclamou o presidente, batendo na mesa. Maria, que ouvia enquanto levava curativos, acrescentou: "E com as mulheres, presidente. Não esqueça de nós." Netto riu, e Waldemio trocou um olhar orgulhoso com a irmã.
Mas a sombra do Coronel Barreto caiu sobre Piratini na noite de 24 de outubro. Um batedor guarani, enviado por Tupi, voltou com notícias: a tropa imperial, com seus quatrocentos homens, tava a poucas horas da vila, acampada num potreiro a dez quilômetros. "Trazem quatro canhões e dragões de elite", relatou o batedor. Waldemio, Zé Durvalino, Tupi e Fidencio Silva foram chamados pra traçar o plano. "Não podemos esperar eles chegarem", disse Fidencio, traçando um risco no chão com a lança. "Meus lanceiros podem atacar o acampamento à noite, desmontar os canhões. Guaranis guiam, gaúchos reforçam." Tupi assentiu. "O mato é nosso amigo. Sepé vai nos cobrir e guiar." Waldemio completou: "E Relâmpago vai galopar, irmãos. Vamos morder antes que eles mordam."
Na madrugada de 25 de outubro, Waldemio, Tupi, João e um grupo de cinquenta homens gaúchos, guaranis e Lanceiros Negros partiram pras coxilhas. Os guaranis, guiados por Tupi, levaram a tropa por trilhas escondidas, silenciosos como sombras. Perto do acampamento imperial, os Lanceiros Negros, com Fidencio Silva na frente, prepararam a carga. Waldemio, com Relâmpago, liderava os gaúchos, enquanto Tupi e seus homens atiravam flechas pra semear o caos. Quando o sinal veio um grito de Fidencio Silva, os lanceiros atacaram como um trovão, suas lanças derrubando sentinelas antes que o alarme soasse.
Waldemio galopou ao lado de Fidencio, cravando a lança num artilheiro que tentava armar um canhão. Zé Durvalino, com seu facão, cortava cordas das tendas, enquanto Tupi e os guaranis incendiavam a pólvora, explodindo um dos canhões. O acampamento virou um inferno de gritos e fumaça. Barreto, acordado no susto, tentou reunir seus homens, mas a velocidade dos lanceiros e a precisão dos guaranis quebraram a resistência. A tropa farroupilha recuou antes do amanhecer, levando armas capturadas e deixando dois canhões destruídos.
De volta a Piratini, a vitória foi festejada com vivas. Fidencio, Tupi e Waldemio foram aclamados, e Maria, ajudando a enfaixar os poucos feridos, sorriu pro irmão. "Tu tá virando lenda, Waldemio." Ele riu, passando o lenço dela na testa suada. "Lenda é o Rio Grande. Gaúcho, guarani, lanceiro todos nós." Na fogueira, Fidencio orgulhoso ergueu uma cuia. "Pela liberdade, irmãos." Tupi acrescentou: "Por Sepé." Waldemio, sentindo o peso e a força da união, completou: "Por Isidoro. E pela República."
Mas, enquanto as chamas subiam, Waldemio sabia: Barreto ainda tinha homens, e o Império não ia parar. O grito dos Lanceiros Negros, somado ao rugido de Piratini, era poderoso, barbaridade tchê, mas a guerra pedia mais sangue. Ele apertou o facão, pronto pro que viesse.
Capítulo 14: A Tempestade de Barreto
O amanhecer de 26 de outubro de 1835 trouxe um céu cinzento sobre Piratini, com nuvens que pareciam carregar o peso da guerra. Waldemio, O Gaudério, tava no acampamento, o facão na mão e o lenço de Maria no bolso do poncho, enquanto os farroupilhas se preparavam pra enfrentar o que restava da tropa do Coronel Barreto. A emboscada noturna, liderada por Waldemio, Tupi e Fidencio Silva, com seus homens, destruíra dois canhões imperiais, mas Barreto ainda tinha homens e artilharia suficiente pra fazer Piratini sangrar. "É como cutucar onça ferida, Gaudério", disse Zé Durvalino, afiando a lança com um brilho nos olhos. "E onça ferida morde fundo."
A vitória da madrugada reacendera o fogo no acampamento. Fidencio Silva e seus Lanceiros Negros, agora parte essencial da resistência, eram saudados como heróis. Fidencio, com sua presença imponente e voz grave, inspirava os homens com histórias de luta nas charqueadas de Pelotas, onde enfrentara capatazes por um fiapo de liberdade. "O Império acha que a gente é gado", disse ele a Waldemio, enquanto amarrava uma lança nova. "Mas com a República, somos homens. E homens lutam." Waldemio assentiu, sentindo o peso daquelas palavras. "Lutamos juntos, Fidencio. Gaúcho, guarani, lanceiro, o Rio Grande é nosso."
Maria e dona Anahí, cada vez mais entranhadas na alma da República, trabalhavam sem parar. Maria, com mãos ágeis, costurava bandeiras, roupas, acessórios e enfaixava feridos, junto a outras gurias da vila, enquanto dona Anahí com outras mulheres, organizavam o rancho, garantindo que cada homem tivesse um prato de charque no carreteiro com milho antes das batalhas" Tua irmã tá virando general, Gaudério", brincou Juca, o batedor, enquanto carregava água pro acampamento. Waldemio sorriu, orgulhoso. "E minha mãe é o estado-maior, guri. Mulher gaúcha não fica atrás."
Antônio de Souza Netto convocou os líderes ao meio-dia, no galpão da intendência, abarrotado de cheiro de pólvora e esperança. Tupi, Fidencio e Waldemio tavam lá, junto ao Coronel Fagundes. "Barreto tá lambendo as feridas, mas vem com tudo", disse Netto, apontando um mapa rabiscado. "Temos que segurar Piratini a qualquer custo. A República depende disso."
Fidencio traçou um risco no mapa. "Meus lanceiros podem flanquear pela esquerda, onde o terreno é mole. Os cavalos deles vão atolar." Tupi completou: "E meus guaranis vão pelo mato, cortando a retaguarda. Sepé guia nossos passos." Waldemio, com o olhar firme, acrescentou: "A gauchada vai na frente, presidente. Relâmpago tá coçando loco pra galopar."
O plano era arriscado: atrair os imperiais pras trincheiras de Piratini, onde seriam alvos fáceis, enquanto os Lanceiros Negros e guaranis atacavam os flancos. Waldemio lideraria a cavalaria gaúcha numa carga frontal pra quebrar a moral inimiga. "Se não pararmos Barreto agora, Piratini vira cinza", disse Fagundes comandante da infantaria, a voz rouca. Maria, que trazia o chimarrão pro galpão, ouviu e falou: "Piratini não cai, coronel. Não com esse povo." Netto sorriu. "Tá falado, guria. Vamos mostrar pro Império que o Rio Grande não se dobrará tão fácil."
A batalha começou na tarde de 27 de outubro, quando a poeira dos imperiais cobriu o horizonte. Barreto, com seus trezentos homens restantes, dois canhões e dragões de elite, avançava com fúria. O primeiro canhonaço arrancou terra perto da praça, mas os farroupilhas, escondidos nas trincheiras, não cederam. Waldemio, montado em Relâmpago, liderava a cavalaria, com seus homens o coração batendo no ritmo dos cascos. "Por nossa terra!", gritou, e os gaúchos carregaram, lanças reluzindo.
Do flanco esquerdo, Fidencio e os Lanceiros Negros surgiram como um trovão, suas lanças longas, perfurando a linha imperial. "Pela liberdade!", bradou Fidencio, derrubando um dragão com um golpe preciso. Tupi e seus guaranis, saindo do mato, atiravam flechas e boleadeiras, derrubando cavalos e semeando o caos. Zé Durvalino, com seu facão, cortava como se dançasse, enquanto Juca, ágil, desarmava artilheiros com pedras e coragem.
O combate foi um redemoinho de sangue e lama. Barreto, montado num cavalo preto, tentava reagrupar seus homens, mas a tática farroupilha era implacável. Waldemio enfrentou um oficial imperial, desviando um sabre e cravando a lança no peito do homem. Um canhonaço explodiu perto, jogando terra nos olhos de Relâmpago, mas o cavalo não parou. Fidencio, vendo o segundo canhão ser preparado, liderou uma carga suicida, seus lanceiros destruindo a artilharia com fogo nas flechas e lanças. Tupi, com uma flecha, acertou o estandarte imperial, que caiu na lama, arrancando vivas dos farroupilhas.
Quando o sol se pôs, o campo tava coberto de corpos. Barreto, com sua tropa reduzida a menos de cem homens, recuou, deixando os canhões e a honra pra trás. Os farroupilhas perderam vinte homens, todos sepultados, em respeito aos guerreiros, mas Piratini seguia firme. A praça explodiu em gritos, gaúchos, guaranis e Lanceiros Negros abraçados. Maria e dona Anahí, na linha de frente dos cuidados, enfaixavam feridos com lágrimas de orgulho. "Vós seguraram a República", disse Maria, abraçando Waldemio. Ele, coberto de lama, sorriu. "Nós todos, Todos nós."
Naquela noite, junto às fogueiras, Fidencio ergueu uma cuia. "Pelo Rio Grande, que nos fez irmãos." Tupi, com a lança ao lado, acrescentou: "Por Sepé, que nos guia." Waldemio, sentindo o lenço de Maria, completou: "Por Isidoro, pela liberdade, pela República." Zé Durvalino, com um curativo novo no braço, riu. "E pela cachaça, que a gente merece!" A risada ecoou, mas Waldemio sabia: o Império tava ferido, mas não morto. A tempestade de Barreto passara, mas outras viriam. Ele apertou o facão, o olhar perdido nas chamas. O Rugido de Piratini, agora com o grito dos Lanceiros Negros, era um brado que o mundo ia ouvir.
Capítulo 15: As Raízes da República
A manhã de 28 de outubro de 1835 raiou em Piratini com um sol tímido, como se respeitasse o chão ainda manchado pelo sangue da batalha contra Barreto. Waldemio, O Gaudério, acordou com o corpo dolorido, mas o coração aquecido pela vitória. Piratini, coração da República Rio-Grandense, resistira ao Império, e a união de gaúchos, guaranis e Lanceiros Negros provara que o Rio Grande era mais forte que os canhões. Ele tocou o lenço de Maria no bolso do poncho, murmurando: "Gaúcho não se curva", enquanto pensava no avô Isidoro, em Sepé Tiaraju e na promessa de liberdade que sustentava a luta.
O acampamento fervilhava, mas agora com um novo propósito: reconstruir e fortalecer a República. Antônio de Souza Netto, com a energia de quem via um sonho tomar forma, organizava a vila. "Precisamos de leis, gauchada", disse ele numa reunião na praça, onde a bandeira verde, vermelha e amarela tremulavam. "Juízes, escolas, um exército de verdade. O Império tá ferido, mas vai voltar." Waldemio, ao lado de Tupi e Fidencio Silva, consentiram. "Leis são boas, presidente, mas sem comida e munição, não seguramos ninguém." Netto riu. "Por isso conto covosco, Gaudério. E com as mulheres, que tão sustentando Piratini."
Maria e dona Anahí eram o alicerce do acampamento. Maria, com suas tranças agora esvoaçantes, não parava: enfaixava feridos, costurava uniformes e até ajudava a escrever panfletos pra espalhar a causa. Dona Anahí , com seu terço e sua voz firme, liderava as mulheres no rancho, garantindo que cada homem, guarani ou lanceiro, tivesse um prato quente. "Tua mãe é uma estância inteira, Gaudério", disse Zé Durvalino, carregando um saco de feijão com o braço recém-curado. "E Maria é a lança. Tu saiu perdendo na teimosia!" Waldemio sorriu, orgulhoso. "É o sangue gaúcho, Zé. Não tem jeito."
A presença das mulheres dava ânimo, mas também mostrava o custo da guerra. Maria, numa noite, confidenciou a Waldemio enquanto remendava uma bandeira: "Vejo os feridos, os tombados, e penso na estância em Bagé, queimada. Vale mesmo tanto sangue?" Waldemio apertou a mão dela, o olhar firme. "Vale, Maria. Não é só por nós, é pelos filhos que vão crescer livres. Por isso tu tá aqui, costurando a República." Maria aceitou a idéia, os olhos brilhando. "Então que seja, Waldemio. Até o fim."
Enquanto Piratini se reerguia, Fidencio Silva, Manuel e seus Lanceiros Negros trabalhavam na defesa da vila. Fidencio, com sua experiência nas charqueadas, sugeriu construir armadilhas nos acessos, como valas cobertas de mato. "O Império gosta de marchar em linha", disse ele a Waldemio, cravando estacas no chão. "A gente faz eles tropeçar antes de chegar." Waldemio, impressionado, completou: "E a gauchada dá o bote. Tua cabeça é tão afiada quanto tua lança, Fidencio." O lanceiro riu, o rosto marcado por cicatrizes antigas. "Aprendi a pensar no chicote, Gaudério. A liberdade ensina mais."
Tupi e os guaranis também deixavam sua marca. Além de patrulhar os morros, ensinavam os farroupilhas a usar ervas pra curar feridas e a ler sinais do vento pra prever emboscadas. Num fim de tarde, Tupi chamou Waldemio pra uma fogueira, onde os guaranis cantavam em sua língua, "Kóva yvy oguerekóva."(esta terra tem dono). "Sepé tá aqui, Gaudério", disse, apontando o céu estrelado. "Ele vê gaúchos, lanceiros, guaranis, mulheres, todos juntos. Isso é o Rio Grande." Waldemio, sentindo o peso da união, respondeu: "E Isidoro tá vendo também, Tupi. Essa terra é nossa, e ninguém tira."
Mas a paz era frágil. Em 30 de outubro, Juca, o batedor, voltou galopando com notícias que gelaram o acampamento: uma nova tropa imperial, vinda de Porto Alegre, tava se formando sob o comando de um general chamado Osório. "São uns quinhentos homens, com artilharia pesada e reforços de Santa Catarina", relatou, ofegante. "Dizem que Osório jurou pendurar Netto numa forca." Zé Durvalino cuspiu no chão. "Que venha tentar, esse tal de Osório. Vai engolir lança!" Waldemio, mais sério, olhou pra Netto. "Precisamos reforçar as vilas, presidente. Piratini é forte, mas Caçapava e Bagé tão vulneráveis."
Netto convocou uma reunião de emergência. "Vamos mandar destacamentos pro interior", decidiu. "Waldemio, tu levas trinta homens, incluindo lanceiros e guaranis, pra Caçapava. Fidencio, reforça Pelotas com Vicente da Fontoura. Tupi, teus batedores vão espiar Osório. Piratini não cai, mas o Rio Grande todo precisa se levantar." Maria, que ouvia enquanto levava curativos, ergueu a voz: "E as mulheres, presidente? Podemos levar mantimentos pras vilas, organizar os acampamentos." Netto assentiu, impressionado. "Tá falado, Maria. Tu e dona Anahí vão com Waldemio. A República precisa de todos."
Na manhã de 31 de outubro, Waldemio partiu pra Caçapava com sua tropa, Maria e dona Anahí numa carroça cheia de mantimentos. Zé Durvalino e Juca cavalgavam ao lado, enquanto cinco guaranis de Tupi patrulhavam à frente. Maria, com uma faca na cintura, parecia mais farroupilha que nunca. "Se os imperiais vierem, Waldemio, não vou só costurar", disse, com um meio sorriso. Dona Anahí, segurando o terço, riu. "Minha filha puxou teu avô bom amigo de meu pai Isidoro. E eu não fico atrás." Waldemio sentiu o peito inchar. "Então somos uma estância inteira, mãe. Que Osório venha."
Enquanto cavalgavam, Waldemio olhou pras coxilhas, onde o vento minuano carregava as lembranças de Sepé no eco do minuano, dos lanceiros, de Isidoro. A República estava enraizando, sustentada por gaúchos, guaranis, lanceiros e mulheres como Maria. Mas a sombra de Osório crescia, e o Gaudério sabia: as próximas batalhas testariam não só a força das lanças, mas a alma do Rio Grande.
Capítulo 16: O Vento de Caçapava
A cavalgada até Caçapava, iniciada em 31 de outubro de 1835, cortava as coxilhas sob um céu que misturava sol e nuvens, como se o próprio tempo hesitasse entre paz e tormenta. Waldemio, O Gaudério, liderava a tropa de trinta homens, com Relâmpago firme sob ele, o facão na cintura e o lenço de Maria no bolso do poncho. Maria e dona Anahí seguiam numa carroça cheia de mantimentos, as rodas rangendo na terra seca.
Zé Durvalino, com sua lança nova, cavalgava ao lado de Juca, enquanto cinco guaranis de Tupi, silenciosos como sombras, patrulhavam à frente. "Tá quieto demais, Gaudério", murmurou Zé Durvalino, mascando um talo de capim. "Silêncio assim cheira a encrenca." Waldemio assentiu, o olhar varrendo o horizonte. "Fica de olho, Zé. O Império não dorme."
A missão era clara: reforçar Caçapava, que sofria com falta de comida e ameaças de loyalistas, e preparar a vila pra resistir à nova tropa imperial do General Osório. Maria, com uma faca na cintura e o rosto decidido, tava pronta pra organizar as mulheres de Caçapava, enquanto dona Anahí, com seu terço e sua força de rocha, planejava montar um rancho pra sustentar a resistência.
"Se o Império acha que vai nos dobrar, vai engolir poeira", disse Maria, a voz firme. Dona Anahí riu baixo. "É o sangue do teu avô Elauterio, filha. Gaúcho não se curva, nem mulher gaúcha." Waldemio, ouvindo, sentiu o peito inflar. "As duas são mais brabas que metade da gauchada, sabiam?"
No segundo dia, perto de um arroio cercado de mato cerrado, o instinto de Waldemio disparou. Um dos guaranis, um jovem chamado Caiuá, voltou galopando. "Movimento no morro, Gaudério. Uns vinte cavaleiros, com carabinas. Não são nossos." Waldemio trocou um olhar com Zé Durvalino. "Loyalistas", murmurou. "Ou pior." Ele ordenou que a carroça de Maria e dona Anahí ficasse protegida atrás, com Juca e dois guaranis de guarda, enquanto dividia o resto da tropa: dez homens com ele pra enfrentar de frente, e os outros, com Caiuá, pra flanquear pelo mato.
Quando os inimigos surgiram, Waldemio viu que não eram simples loyalistas, mas uma milícia imperial, com uniformes remendados e olhos de quem caçava rebeldes por ouro. O líder, um capitão de barba rala, gritou: "Rendam-se, farroupilhas, ou morrem como cães!" Waldemio riu, puxando a lança. "Cão é quem lambe as botas do Império. Vem buscar, vivente!" O choque foi imediato. Waldemio carregou com Relâmpago, cravando a lança num miliciano antes que o homem atirasse. Zé Durvalino, com seu facão, cortava como se dançasse, enquanto Caiuá e os guaranis atiravam flechas do mato, derrubando cavalos.
A batalha foi curta, mas sangrenta. Maria, da carroça, pegou a faca e ficou pronta pra defender dona Anahí, que segurava um porrete improvisado. "Se vierem, filha, é pra cima", disse dona Anahí, o terço ainda na mão. Mas não precisou. A milícia, pega de surpresa pela tática dos guaranis e pela fúria dos gaúchos, perdeu dez homens e fugiu, deixando armas e um cavalo ferido pra trás. Do lado farroupilha, um guarani levou um tiro de raspão, mas todos tavam vivos. "Sepé tá com sua gente", disse Caiuá, p Tupi/Guarani, limpando a lança. Waldemio, ofegante, respondeu: "E Isidoro também, guri. Bom trabalho."
Chegaram a Caçapava na noite de 2 de novembro, recebidos por um acampamento exausto, mas resistente. O Coronel Fagundes Telles, que voltara pra vila antes de Waldemio, apertou sua mão. "Tua chegada é um alívio, Gaudério. Caçapava tá de pé, mas os loyalistas rondam, e a comida tá curta." Maria e dona Anahí desceram da carroça, já organizando os mantimentos. "Vamos montar um rancho, coronel", disse dona Anahí, com a autoridade de quem não aceitava não como resposta. "E as mulheres vão ajudar." Maria, olhando os feridos, acrescentou: "Quero um canto pra cuidar dos machucados. Caçapava não vai cair." Fagundes sorriu. "Vós sois o fogo da República, gurias."
Os dias seguintes foram de trabalho bruto. Waldemio e Zé Durvalino reforçaram as trincheiras, enquanto Juca e os guaranis patrulhavam os arredores, buscando sinais dos loyalistas. Maria transformou uma choupana num hospital improvisado, enfaixando feridos e ensinando outras mulheres a usar ervas guaranis, aprendidas com Tupi. Dona Anahí, com sua energia incansável, organizou um sistema pra racionar comida, garantindo que ninguém passasse fome. "Se o estômago tá vazio, a lança treme", dizia, servindo um prato de charque com arroz a um peão.
Numa noite, enquanto Waldemio e Zé Durvalino tomavam mate junto a uma fogueira, Fagundes trouxe notícias de Piratini: Fidencio Silva, Manuel e seus Lanceiros Negros tavam segurando Pelotas, e Tupi, com seus batedores, confirmara que Osório avançava devagar, atrapalhado por chuvas e emboscadas guaranis. "O Rio Grande tá se levantando, Gaudério", disse Fagundes. "Mas Osório é duro. Traz canhões e homens que não perdoam." Waldemio coçou a barba, o olhar no fogo. "Que venha, coronel. Caçapava, Piratini, Pelotas, somos um só. Gaúcho, guarani, lanceiro, mulher. O Império vai quebrar os dentes."
Maria, trazendo uma cuia, juntou-se à conversa. "Ouvi os homens falando de Sepé Tiaraju, Waldemio. E dos lanceiros de Fidencio. Acho que a República é mais que uma bandeira. É o povo." Waldemio olhou pra ela, sentindo o peso e a força daquelas palavras. "É sim. E tu, costurando, curando, tá escrevendo essa história com todos nós." Dona Anahí, que se aproximava, completou: "E Isidoro tá vendo. Ele diria: 'Sigam firmes, que o Rio Grande não se ajoelha.'"
Enquanto as chamas dançavam, Waldemio pensou no vento que soprava nas coxilhas, carregando o eco de Sepé, dos lanceiros, das mulheres. Caçapava tava de pé, e a República, com raízes fincadas no chão gaúcho, crescia mais forte. Mas a sombra de Osório se aproximava, e O Gaudério sabia: a próxima batalha seria um teste de fogo pra todos.
Capítulo 17: A Sombra de Osório
O sol de 4 de novembro de 1835 queimava as coxilhas de Caçapava, onde o vento trazia um frio que arrepiava a nuca. Waldemio, O Gaudério, cavalgava pelos arredores da vila, Relâmpago bufando sob o peso da sela. O facão batia na cintura, o lenço de Maria, no bolso do poncho, parecia pulsar com cada pensamento na família, na guerra. A tropa imperial do General Osório tava se aproximando, e Caçapava, ainda frágil, precisava se tornar uma muralha. "se vacilar, Gaudério, viramos cinza", disse Zé Durvalino, montado ao lado, a lança brilhando ao sol. Waldemio cuspiu no chão. "Que venha Osório, Zé. Gaúcho não treme."
No acampamento, Maria e dona Anahí trabalhavam como se a guerra dependesse delas. Maria, com as tranças avoadas, transformara a choupana-hospital num canto de esperança, cuidando de feridos com ervas guaranis e mãos firmes. Dona Anahí, o terço pendurado no pescoço, comandava o rancho com pulso de ferro, racionando charque com milho pra que ninguém passasse fome. "Se o bucho ronca, a coragem fraqueja", dizia, entregando um prato a um peão. Quando viu Waldemio, chamou: "Teu mate tá pronto, filho. Tu não parar a cavalgada, que o inimigo não descansa." Ele sorriu, pegando a cuia. "Nem a senhora descansa, mãe. É valentona."
O Coronel Fagundes reuniu os líderes na estância santa barbara ao entardecer. O cheiro de couro e de fumaça enchia o ar, and o mapa rabiscado na mesa tremia com o vento. "Osório tá a dois dias daqui", disse Fagundes, a voz rouca. "Quinhentos homens, seis canhões, dragões de Santa Catarina. Querem esmagar Caçapava pra cortar o caminho pra Piratini." Waldemio coçou a barba. "Então a vamos morde antes, coronel. Os guaranis de Caiuá conhecem o terreno, a gauchada tá pronta." Juca, que entrara com notícias frescas, completou: "Os batedores viram o acampamento deles num potreiro a beira do itajaí-açu. Tão confiantes, nem patrulham direito."
O plano nasceu rápido: uma emboscada noturna pra desmontar os canhões para abalar a moral imperial. Waldemio lideraria cento e oitenta homens, incluindo Caiuá e seus guaranis, enquanto Zé Durvalino ficava em Caçapava, reforçando as trincheiras. Maria, ouvindo a conversa, insistiu: "Quero mandar mantimentos pros feridos que voltarem, Waldemio. E, se precisar, pego na faca." Dona Anahí, ao lado, concordou. "Minha filha tá certa. Sustentem a luta, tu não fica de braços cruzados." Fagundes, impressionado, riu. "Vocês duas são a fogueira da República".
Na madrugada de 5 de novembro, Waldemio e sua tropa partira, guiados pelo luar and pelo faro dos guaranis. Caiuá, com seus olhos de gavião, levou o grupo por trilhas escondidas, o mato abafando barulho dos cascos. Perto do acampamento imperial, o cheiro de pólvora e dos cavalos confirmou o alvo. Waldemio dividiu os homens: os guaranis, com flechas e as boleadeiras, atacariam as sentinelas, enquanto ele junto aos gaúchos iria pros canhões. "Por nossa terra!", sussurrou, o ataque explodiu como um raio repentino, sem aviso prévio.
As flechas de Caiuá derrubaram quatro sentinelas antes que o alarme ecoasse. Waldemio, com Relâmpago em disparada, cravou a lança num artilheiro, enquanto seus homens incendiavam a pólvora de um canhão. O estrondo acordou o acampamento, os imperiais, em pânico, tentaram reagir. Um dragão acertou um golpe de sabre que raspou o ombro de Waldemio, O Gaudério girou o facão derrubando o homem. Caiuá, com uma boleadeira, quebrou as pernas de um cavalo inimigo, a tropa farroupilha recuou, deixando dois canhões destruídos, num rastro de caos.
De volta a Caçapava, a emboscada foi celebrada com mate muitos vivas, porém o preço foi sentido: dois gaúchos feridos, um guarani com um tiro no braço. Maria, no hospital, enfaixou os machucados com calma, seu o olhar tava pesado. "Tu voltou, Waldemio, toda cada vez que sai, rezo mais forte", disse, limpando o sangue do ombro dele. Ele apertou a mão dela. "Tô aqui, mana. E tu tá segurando Caçapava com essas mãos. Somos farroupilhas." Dona Anahí, trazendo uma panela de guisado, completou: "E Isidoro tá vendo. Ele diria: 'Não amoleçam, que o Rio Grande é de nós todos.'"
No dia 6, um batedor guarani trouxe notícias: Osório, furioso com a emboscada, acelerava a marcha, agora a um dia de Caçapava. Fagundes reuniu a tropa. "Eles vêm com raiva, gauchada. Caçapava é nossa, e fazer eles engolir ferro." Waldemio, com o ombro enfaixado, olhou pra Zé Durvalino, que riu. "Tá na hora de dançar com Osório, Gaudério. Minha lança tá balançando!" Juca, já selando o cavalo, acrescentou: "E os guaranis tão prontos. Caiuá disse que Sepé tá no vento que sibila nas coxilhas."
Naquela noite, enquanto Maria, dona Anahí preparavam curativos e muita comida pra batalha iminente, Waldemio se sentou junto a fogueira, o mate na mão. Caiuá se aproximou, oferecendo uma erva guarani. "Sepé tá com a gente, Gaudério. E tua gente, tua irmã, tua mãe, são o coração dessa luta." Waldemio sorriu, sentindo o lenço de Maria. "E Fidencio, em Pelotas, tá segurando a dele. Gaúcho, guarani, lanceiro, mulher, somos um. Que Osório venha." Ele olhou pro céu, onde as estrelas pareciam brilhar intensamente na imensidão. O vento de Caçapava soprava forte, carregando o rugido da República, onde O Gaudério sabia: a próxima batalha seria a forja de um povo.
Capítulo 18: O Fogo de Caçapava
A noite de 6 de novembro de 1835 caiu sobre Caçapava com um silêncio cortante, quebrado só pelo crepitar das fogueiras e pelo murmúrio dos homens afiando lanças. Waldemio, O Gaudério, tava de sentinela num morro, o olhar perdido no horizonte onde a tropa de Osório devia aparecer a qualquer hora. O facão na cintura e o lenço de Maria no bolso do poncho eram sua âncora, mas o ombro, ainda dolorido do sabre na emboscada, lembrava o preço da guerra. "Gaúcho não se curva", sussurrou, pensando no avô Isidoro, em Sepé Tiaraju, e no fogo da República que ardia em cada coração.
No acampamento, Maria e Dona Anahí eram o alicerce da resistência. Maria, com as tranças molhadas de suor, corria na choupana-hospital entre os feridos, aplicando emplastros de ervas guaranis com mãos que não tremiam. Dona Anahí, o terço pendurado no pescoço, comandava o rancho como se fosse uma estância, distribuindo guisado e milho com uma voz que não admitia fome. "Quem luta pelo Rio Grande não cai por bucho vazio", dizia, enchendo o prato de um peão. Quando viu Waldemio descendo do morro, chamou: "Teu mate tá quente, filho. Mas não te aquieta, que o inimigo tá de tocaia." Ele pegou a cuia, sorrindo. "A senhora é mais ligeira que Osório, mãe."
O Coronel Fagundes reuniu a tropa ao amanhecer de 7 de novembro. O céu tava pesado, com nuvens que prometiam chuva. "Osório tá às portas", disse, apontando o mapa. "Quatrocentos homens agora, depois da emboscada. Quatro canhões, dragões brabos. Caçapava é o primeiro passo pra Piratini, e a nos cabe não deixa passar." Waldemio, com Caiuá ao lado, falou: "O terreno é nosso amigo, coronel. Os guaranis podem guiar emboscadas nos matos, e a gauchada segura as trincheiras." Zé Durvalino, coçando a barba, riu. "Minha lança tá com fome, Gaudério. Que venha esse tal de Osório!"
O plano era simples, mas arriscado: usar as trincheiras pra segurar o grosso da tropa imperial, enquanto Caiuá e seus guaranis atacavam os flancos com flechas e boleadeiras. Waldemio lideraria a cavalaria numa carga pra quebrar os canhões, contando com a velocidade de Relâmpago. Maria, trazendo curativos pro galpão, ouviu e disse: "Vou ter a choupana pronta pros feridos, Waldemio. Mas, se o inimigo chegar perto, minha faca corta." Dona Anahí, com um porrete na mão, completou: "E a minha mão não falha, filha. Caçapava é nossa." Fagundes bateu na mesa. "Com gurias assim, o Império já perdeu."
A batalha explodiu ao meio-dia, quando a poeira dos imperiais engoliu o horizonte. Os canhões de Osório cuspiram fogo, estilhaçando uma barricada, mas os farroupilhas, escondidos nas trincheiras, responderam com tiros e gritos. Waldemio, com Relâmpago galopando, liderou a cavalaria contra a artilharia, a lança apontada. "Por nossa terra!", gritou alto como um rugido de leão, cravando-a num canhoneiro. Caiuá e os guaranis surgiram do mato, flechas voando como vespas, derrubando dragões. Zé Durvalino, com seu facão e seu bando, abriam caminho como se o diabo fugisse deles, enquanto Juca, ágil, jogava pedras com seu bodoque estranho pra desmontar artilheiros.
Osório, montado num cavalo branco, gritava ordens, sua tropa avançando em linha. Mas o terreno, molhado pela chuva da madrugada, atascava os canhões, e as boleadeiras guaranis quebravam cavalos. Waldemio, vendo um canhão ser recarregado, galopou direto, desviando um sabre e incendiando a pólvora com uma tocha. O estrondo abalou os imperiais, e Zé Durvalino, rindo, derrubou outro com uma lança. Caiuá, com uma flecha, acertou um oficial, e a linha inimiga começou a recuar...
Mas o custo foi alto. Um canhonaço atingiu uma trincheira, matando seis farroupilhas. Waldemio levou um corte na coxa, e Caiuá, um tiro de raspão no ombro. Quando o sol caiu, Osório recuou, deixando dois canhões e cem homens no campo. Caçapava resistiu, mas perdeu quinze dos seus bravos. A vila explodiu em vivas, guaranis e gaúchos abraçados, enquanto Maria e Dona Anahí corriam pra cuidar dos feridos. "Tu tá vivo, Waldemio", disse Maria, enfaixando a coxa dele, os olhos marejados. "Mas para de se meter onde o sabre corta." Ele riu, mesmo com a dor. "É o jeito gaúcho."
Naquela noite, junto às fogueiras, Waldemio tomou mate com Zé Durvalino e Caiuá. Dona Anahí trouxe guisado, e Maria, uma cuia de mate nova. "Ouvi os homens falando de Fidencio, em Pelotas", disse Maria, sentando-se. "Dizem que os lanceiros tão segurando firme. A República tá viva." Caiuá, com o ombro enfaixado, assentiu. "Sepé tá no vento, guria. E nos guia." Zé Durvalino ergueu a cuia. "Por Caçapava, pela gauchada!" Waldemio, sentindo o lenço de Maria, completou: "Por Isidoro, pela República. E por nós todos."
Mas o alívio era frágil. Um batedor chegou ao amanhecer, trazendo notícias de Piratini: Osório, derrotado, tava se reagrupando com reforços de Porto Alegre. "Vão tentar de novo", murmurou Fagundes. Waldemio apertou o facão, o olhar no céu onde as estrelas sumiam. O fogo de Caçapava ardia, sustentado por gaúchos, guaranis, lanceiros e mulheres como Maria e Anahí. A guerra não acabava, e O Gaudério sabia: o próximo golpe do Império seria mais brabo, mas o Rio Grande tava pronto pra rugir.
O amanhecer raiou com um céu cinzento, carregado de nuvens que pareciam carregar o peso da guerra. Em Caçapava, o cheiro de pólvora ainda pairava, misturado ao aroma de ervas dos emplastros e ao suor Stuart do café preto que Dona Anahí aquecia no rancho. Waldemio, O Gaudério, estava de pé junto ao curral, verificando as rédeas de Relâmpago, o cavalo que o salvara na batalha do dia anterior. A coxa enfaixada doía a cada passo, mas ele ignorava a dor, o pensamento fixo no batedor que trouxera as notícias de Piratini. Osório, o cão imperial, não desistiria tão fácil. Reforços vinham de Porto Alegre, e com eles, talvez, o dobro de homens e canhões. Caçapava, a porta de Piratini, seria o alvo outra vez.
No acampamento, a vila pulsava com uma energia tensa. Maria, com as mãos calejadas de tanto esmagar ervas, organizava a choupana-hospital, separando ataduras limpas e verificando o estoque de mel e guaco. "Se o Império voltar, vai ter mais feridos que ontem", disse a Dona Anahí, que amassava milho pra muito pão que sustentasse a tropa. A velha, com o terço balançando no peito, respondeu sem erguer os olhos: "E a gente vai estar pronta, filha. Gaúcho não foge, e mulher de gaúcho menos ainda." Maria sorriu, mas o coração apertava. Ela pensava em Waldemio, no corte na coxa, no jeito que ele ria da morte como se fosse uma festança.
Enquanto isso, o Coronel Fagundes reunia os homens no galpão que servia de quartel. O mapa, rasgado e sujo de terra, estava aberto sobre a mesa. Caiuá, com o ombro enfaixado, apontava os caminhos que levavam a Caçapava. "Os guaranis conhecem cada trilha", disse, a voz firme. "Se Osório vier pela estrada principal da pecada grande, a gente usa o riacho pra emboscar. Se tentar o mato, as boleadeiras vão falar."
Zé Durvalino, limpando o facão com um pano, gargalhou. "Tô vendo esse tal de Osório com a cara no chão, comendo capim!" Mas o riso morreu quando Fagundes bateu na mesa. "Não subestimem o inimigo. Ontem vencemos porque o terreno tava a nosso favor e a chuva atrapalhou os canhões. Eles vão aprender com isso o aviso caiu como um alerta real."
Waldemio, encostado na porta, falou baixo: "Precisa de mais homens, coronel. Caçapava segurou, mas perdeu quinze. E os feridos não vão erguer lança tão cedo." Fagundes coçou a barba grisalha, o olhar distante. "Mandei um emissário pra Fidencio, em Pelotas. Se os lanceiros puderem mandar reforços, talvez cheguem em três dias. Até lá, somos nós contra o Império." O silêncio pesou no galpão. Juca, o guri magrelo que jogava pedras com precisão de atirador, perguntou: "E se não chegarem, coronel?" Fagundes olhou cada homem nos olhos. "Aí lutaremos até o último gaúcho. Caçapava não cai."
A tarde trouxe uma trégua inquieta. Waldemio subiu o morro de sentinela outra vez, o facão na cintura e o lenço de Maria no bolso. O vento frio cortava o poncho, mas ele não se mexia, os olhos varrendo o horizonte. Pensava no avô Isidoro, que morrera em 1801, lutando contra os castelhanos. "O Rio Grande é nosso", Isidoro dizia, e Waldemio sentia aquelas palavras queimando no peito. Pensava também em Sepé Tiaraju, o guerreiro guarani que enfrentara exércitos com uma cruz e uma lança. "Se o sangue de Sepé corre em Caiuá", murmurou, "o fogo de Isidoro corre em mim."
No acampamento, Maria encontrou Caiuá afiando flechas perto do riacho. O guarani, com o rosto pintado de vermelho e preto, parecia mais estátua que homem. "Teu ombro tá aguentando?", perguntou ela, apontando o curativo. Caiuá sorriu de lado. "Tá. E o coração da gauchada? Tá firme?" Maria riu, jogando uma pedra na água. "Firme como teu arco. Mas Waldemio tá com a cara de quem vai galopar pro meio dos canhões de novo." Caiuá parou, o olhar sério. "Ele é como o vento, guria. Não para, mas às vezes se perde. Tu é a raiz que segura ele." Maria corou, sem resposta, e voltou pra choupana com o peito apertado.
Ao cair da noite, a vila se reuniu em torno das fogueiras. Dona Anahí serviu guisado de carneiro, enquanto Zé Durvalino contava causos da batalha, exagerando cada golpe do facão. "Eu juro, cortei três imperiais com um giro só!" Juca, sentado no chão, revirava os olhos. "Três? Tu mal acertou um, e ele tava desmontado!" A gargalhada ecoou, mas Waldemio, quieto, tomava mate, o olhar nas chamas. Maria sentou ao lado dele.
"Tá pensando no quê?" Ele demorou a responder, apertando o lenço no bolso. "No que vem por aí. Osório não é bobo. Vai tentar algo novo. Talvez mande dragões de noite, ou ataque o rancho pra cortar nossa comida." Maria franziu a testa. "Então reforçamos as sentinelas e guarda o milho, o arroz, o feijão as linguiças e o charque. Tu já pensou em descansar essa perna?" Ele riu, amargo. "Descanso é pra quando a República vencer."
O sossego durou pouco. Na madrugada de 9 de novembro, um grito cortou o silêncio. "Imperiais! Dragões no riacho!" Waldemio pulou do catre, a coxa protestando, e correu pro curral. Relâmpago já parecia sentir o cheiro da luta, bufando enquanto Waldemio montava. No acampamento, a confusão reinava. Caiuá reunia os guaranis, flechas prontas, enquanto Fagundes gritava ordens: "Trincheiras, agora! Protejam o rancho!" Maria, com a faca na cintura, corria pra choupana, gritando pras mulheres: "Peguem porretes facões o que tiver, protejam as crianças!" Dona Anahí, com o terço na mão e um facão na outra, rosnava: "Se entrarem aqui, vão pro inferno antes da hora!"
A batalha veio rápida e suja. Os dragões imperiais, uns cinquenta, atacaram sob a lua, tentando flanquear as trincheiras. Mas Caiuá e seus guaranis estavam prontos. Boleadeiras zuniram, derrubando cavalos, e flechas silenciosas acertaram sombras. Waldemio, com a cavalaria, cortou o flanco inimigo, a lança brilhando à luz da lua. "Por Caçapava!", bradou, cravando a arma num dragão. Zé Durvalino, a pé, brandia o facão, rindo como louco com seu bando de celerados: "Vem, cusco imperial!" Juca, escondido numa árvore, jogava pedras, com o bodoque esquisito, desmontando um oficial.
Os imperiais, pegos de surpresa, recuaram em meia hora, deixando dez corpos e três cavalos. Mas a vitória teve preço: dois guaranis caíram, e um gaúcho levou um sabre no peito. Waldemio, ofegante, desmontou de Relâmpago, a coxa sangrando de novo. Maria correu até ele, furiosa. "Tu quer morrer, é? Para de correr pro meio da luta!" Ele sorriu, fraco. "É o jeito gaúcho, mana." Ela revirou os olhos, enfaixando o corte com força. "Pois teu jeito gaúcho vai me matar de raiva."
Na manhã seguinte, Fagundes reuniu a tropa. O ataque noturno era um aviso: Osório testava as defesas, procurando fraquezas. "Eles vão voltar com tudo", disse o coronel. "Talvez amanhã, talvez em dois dias. E agora sabem que não dormimos." Caiuá, limpando sangue de uma flecha, falou: "O rio tá a nosso favor. Podemos alagar o caminho principal, atrasar os canhões." Waldemio, com a perna enfaixada, completou:
"E eu levo a cavalaria pros morros. Se vierem de dia, descemos como trovão." Fagundes assentiu, mas o olhar era grave. "Rezem, gaúchos. E afiem as lanças. O Império quer nosso sangue, mas o Rio Grande vai dar o troco." Enquanto a tropa se preparava, Maria e Dona Anahí reforçavam o rancho, escondendo sacos de milho e outros cereais numa cocheira. "Se cortarem nossa comida, a gente caça", disse Anahí, o porrete ao lado.
Maria, afiando a faca, respondeu: "E se vierem aqui, vão comer aço." As duas riram, mas o riso era cortante como a lâmina. Caçapava ardia, sustentada por gaúchos, guaranis e mulheres de fogo. O próximo golpe do Império seria brutal, mas o coração da vila batia forte. Waldemio, do morro, olhava o horizonte, o lenço de Maria na mão. "Por Isidoro, por Sepé, pela República", sussurrou. O Rio Grande roncaria forte, e O Gaudério estaria na frente.
Capítulo 19: O Cerco do Rio Camacuã
O dia 9 de novembro de 1835 passou em Caçapava como uma faca afiada: lento, tenso, cortando cada nervo. O sol ardia no céu, mas o calor não aliviava o frio que a espera da guerra trazia. Waldemio, O Gaudério, mancava ao lado de Relâmpago, verificando as ferraduras do cavalo enquanto o pensamento vagava. A coxa enfaixada latejava, mas ele se recusava a descansar. "Gaúcho não se aquieta", murmurou, lembrando as palavras de Dona Anahí. No bolso do poncho, o lenço de Maria era um peso leve, um fio que o ligava à vila, à luta, à vida.
No acampamento, a tropa trabalhava febril. Caiuá e seus guaranis cavavam valas perto do riacho, guiados pela ideia de alagar o caminho principal e atascar os canhões imperiais. "A terra fala com quem sabe ouvir", disse Caiuá, jogando uma pá de barro. Zé Durvalino, empilhando pedras numa barricada, riu. "Tua terra pode falar, guarani, mas minha lança é que vai cantar!" Juca, carregando baldes d'água, resmungou: "Canta menos e carrega mais, barba!" O riso ecoou, mas era curto, engolido pela sombra do que vinha.
Maria e Dona Anahí, no rancho, organizavam o pouco que restava de mantimento. O milho estava escondido, e o guisado, agora ralo, mal enchia os pratos. "Se o Império cortar o rancho, a gente come capim e luta do mesmo jeito", disse Anahí, amassando um pão de milho. Maria, cortando ervas pra emplastros, respondeu: "Capim não, mãe. A gente caça os cavalos deles." Anahí riu, o terço balançando. "Essa é minha guria. Mas reza, filha. O diabo tá chegando."
Ao entardecer, o Coronel Fagundes chamou os líderes ao galpão. O mapa, agora mais rasgado, mostrava marcas frescas: trilhas onde os dragões atacaram na madrugada, caminhos onde Osório podia avançar. "O batedor voltou de Piratini", anunciou Fagundes. "Osório tá com seiscentos homens agora. Cinco canhões, duzentos dragões, e um batalhão de infantaria. Vão tentar esmagar Caçapava antes de marchar pra Piratini." Waldemio, encostado na parede, apertou o facão. "E Fidencio? Os lanceiros vêm?" Fagundes balançou a cabeça. "Talvez cheguem em dois dias. Talvez não. Pelotas tá cercada, Fidencio não pode soltar muitos homens." O silêncio caiu como chumbo.
Caiuá quebrou a tensão. "O riacho tá pronto. Se a gente abrir as valas na hora certa, os canhões atolam. Meus guaranis cuidam dos flancos." Waldemio completou: "A cavalaria pode subir o morro norte. De lá, a gente desce nos dragões, quebra a formação." Zé Durvalino bateu o facão na mesa. "E eu vou pro meio, cortar pescoço imperial até cansar!" Fagundes olhou cada um, o rosto duro. "É nossa última chance de segurar Caçapava. Se cairmos, Piratini fica aberta. A República morre. Então, sem erro, gaúchos. Cada lança conta."
A noite trouxe um vento gelado, e as fogueiras tremiam. Waldemio, de sentinela no morro, viu luzes distantes no horizonte. Fogueiras inimigas. "Osório tá aí", sussurrou, o coração acelerando. Desceu correndo, alertando Fagundes. O acampamento entrou em alerta, mas o ataque não veio. Era um jogo de nervos: Osório queria cansar a vila, mantê-la acordada, com medo. Maria, na choupana, preparava ataduras, a faca sempre ao alcance. "Eles querem nos quebrar antes de lutar", disse a Dona Anahí, que afiava um tacape feito por Caiuá com uma pedra. Anahí respondeu: "Pois vão quebrar os dentes primeiro."
O dia 10 de novembro amanheceu com o som de tambores distantes. Os imperiais avançavam. A poeira subia no horizonte, e o chão tremia com o tropel de cavalos e o arrastar de canhões. Fagundes posicionou a tropa: as trincheiras, reforçadas com pedras, segurariam a infantaria; Caiuá e os guaranis, escondidos no mato, atacariam os flancos; Waldemio, com a cavalaria, esperaria no morro pra descer como um raio. Maria e Anahí, com as mulheres da vila, preparavam a choupana e protegiam o rancho, prontas pra lutar se o inimigo chegasse perto.
A batalha explodiu ao meio da tarde. Os canhões de Osório cuspiram fogo, estilhaçando uma barricada e matando três farroupilhas. A infantaria imperial avançou em linha, baionetas brilhando, mas as trincheiras responderam com tiros e gritos. Caiuá abriu as valas, e o riacho transbordou, atolando dois canhões num lamaçal. Suas flechas e boleadeiras derrubaram dragões, enquanto Zé Durvalino, na trincheira, cortava como um demônio, o facão pingando sangue. "Vem, cachorros!", berrava, rindo.
Waldemio, do morro, viu a formação imperial se abrir. "Agora!", gritou, e a cavalaria desceu, Relâmpago à frente. A lança de Waldemio cravou um oficial, e a carga quebrou a linha dos dragões. Juca, nas árvores, jogava pedras, acertando artilheiros. Mas Osório era esperto. Um batalhão de reserva, escondido, contra-atacou, e a cavalaria de Waldemio ficou exposta. Um sabre imperial cortou o braço de um gaúcho, e outro acertou Relâmpago de raspão. Waldemio, com a coxa sangrando de novo, gritou: "Segurem, gaúchos!" e incendiou um canhão com uma tocha.
No acampamento, Maria ouviu o estrondo e viu a fumaça. "Eles tão resistindo", disse Anahí, que organizava as mulheres com porretes e facas. "Mas se chegarem aqui, lutaremos." A choupana estava cheia de feridos, e Maria trabalhava sem parar, enfaixando cortes e aplicando emplastros. Um guri correu até ela, ofegante: "Os imperiais tão tentando o rancho!" Anahí pegou o tacape de porrete. "Vem, Maria. Vamos mostrar como se defende Caçapava." As mulheres, armadas, enfrentaram um pelotão imperial que tentava queimar o milho. Maria cravou a faca num soldado, e Anahí derrubou outro com o porrete. O rancho foi salvo, mas o custo foi alto: duas mulheres caíram heroicamente.
No campo, a batalha virava um massacre. Osório, vendo os canhões atolados, ordenou um avanço total. A infantaria imperial rompeu uma trincheira, matando dez farroupilhas. Waldemio, quase sem forças, liderou uma última carga, quebrando a linha inimiga. Caiuá, com uma flecha, acertou um oficial, e Zé Durvalino derrubou outro canhão. Mas o cerco apertava. Quando o sol caiu, Osório recuou, deixando três canhões e duzentos homens. Caçapava resistiu, mas perdeu trinta dos seus, e muitos estavam feridos.
Naquela noite, as fogueiras ardiam fracas. Waldemio, com a coxa enfaixada e Relâmpago ferido, tomou mate com Maria, Caiuá e Zé Durvalino. "Seguramos", disse Maria, os olhos cansados. Caiuá assentiu. "Mas eles voltam. O rio não segura pra sempre." Zé Durvalino riu, fraco. "Que venham. Minha lança tá com sede." Waldemio, olhando as estrelas, apertou o lenço de Maria. "Fidencio tem que chegar. Se não, Caçapava vira cova." Dona Anahí, trazendo pão, disse: "Cova, não. Berço da República. Rezem, filhos. O Rio Grande não cai."
Um batedor chegou ao amanhecer de 11 de novembro. "Fidencio mandou cem lanceiros! Chegam amanhã!" A vila explodiu em vivas. Mas outro batedor trouxe más notícias: Osório recebia mais reforços de Porto Alegre. O cerco apertava, e Caçapava, sangrando, se preparava pra rugir de novo. Waldemio, de pé, olhou o horizonte. "Por Isidoro, por Sepé, por nós", sussurrou. O Gaudério sabia: as próximas batalhas decidiria o destino da República.
Capítulo 20: O Último Brado
O amanhecer de 11 de novembro de 1835 raiou em Caçapava com um silêncio que parecia prender o ar. O céu, limpo pela primeira vez em dias, deixava o sol queimar a vila, mas o calor não aquecia os corações. Waldemio, O Gaudério, estava junto ao curral, passando a mão no focinho de Relâmpago. O cavalo, com um curativo improvisado na pata, bufava, como se sentisse a batalha que se aproximava. A coxa de Waldemio ardia sob o novo curativo, mas ele ignorava a dor, o olhar fixo no horizonte onde a poeira dos imperiais logo subiria. O lenço de Maria, no bolso do poncho, era sua única âncora. "Hoje ou amanhã, Relâmpago", murmurou. "O Rio Grande decide seu destino."
No acampamento, a vila se movia com uma determinação feroz. Caiuá e seus guaranis reforçavam as valas do riacho, agora um lamaçal que atrapalharia qualquer avanço imperial. "O rio é nosso aliado", disse Caiuá, pintando o rosto com vermelho e preto. Zé Durvalino, afiando o facão, riu. "Aliado bom, mas minha lâmina é mais fiel!" Juca, carregando pedras pra barricada, resmungou: "Fiel é o meu braço, barba. Tu só fala!" O riso era curto, mas aquecia a tropa, que sabia: cada hora podia ser a última.
Maria e Dona Anahí comandavam o rancho e a choupana-hospital. O milho, agora escasso, foi racionado, e o guisado, quase só caldo, mal enchia as cuias. "Comida pouca, mas coragem sobra", disse Anahí, o terço apertado na mão. Maria, cortando tiras de pano pra ataduras, respondeu: "Se o Império quiser nosso milho, vai engolir faca." Anahí sorriu, pegando o porrete. "Minha mão tá coçando, filha. Que venha Osório." As mulheres da vila, armadas com facas, porretes e até enxadas, patrulhavam o rancho, prontas pra defender cada grão.
O Coronel Fagundes reuniu a tropa ao meio-dia, no galpão. O mapa, agora quase em pedaços, mostrava o terreno de Caçapava como um tabuleiro mortal. "Os lanceiros de Fidencio chegam amanhã, se tudo der certo", disse Fagundes, a voz rouca. "Mas Osório não vai esperar. Ele sabe que estamos sangrando. Hoje ou amanhã, vem com tudo." Waldemio, com o facão na cintura, falou: "O morro norte ainda é nosso trunfo. A cavalaria desce de lá, quebra os dragões." Caiuá completou: "E o riacho vai engolir os canhões. Meus guaranis tão nas sombras, prontos." Zé Durvalino bateu na mesa. "Que venha o Império! Minha lança tá com fome!" Fagundes olhou cada homem, o rosto grave. "Caçapava é a chave da República. Se cairmos, Piratini cai. Então, gaúchos, guaranis, mulheres: por nossa terra, até o fim."
A tarde trouxe sinais do inimigo. Sentinelas no morro avistaram movimento: cavalos, bandeiras, o brilho de canhões sendo arrastados. Osório estava a poucas horas. Fagundes ordenou que as trincheiras fossem reforçadas, e Caiuá espalhou os guaranis pelo mato, flechas e boleadeiras prontas. Waldemio reuniu a cavalaria, trinta homens montados, todos com marcas da guerra: curativos, cicatrizes, olhos que não dormiam. "Vocês são o trovão do Rio Grande", disse, a lança erguida. "Quando eu der o grito, desçam como o vento. Por Isidoro, por Sepé, pela gauchada!" Os homens responderam com um brado que fez o chão tremer.
A noite caiu, e com ela, o ataque. Os imperiais, sob o comando de Osório, vieram em silêncio, tentando surpreender. Mas os guaranis de Caiuá estavam alertas. Boleadeiras zuniram, derrubando cavalos, e flechas silenciosas acertaram dragões. O alarme soou, e as trincheiras se acenderam com tiros farroupilhas. Waldemio, no morro, viu a formação inimiga: duzentos dragões na frente, infantaria atrás, canhões se posicionando. "Segurem as trincheiras!", gritou Fagundes, enquanto Zé Durvalino, na linha de frente, cortava como um furacão, o facão brilhando. "Vem, cachorros imperiais!"
Os canhões de Osório cuspiram fogo, destruindo uma barricada e matando cinco farroupilhas. A infantaria avançou, mas o lamaçal do riacho atolou botas e atrasou a marcha. Caiuá, surgindo do mato, liderou um ataque surpresa, flechas derrubando oficiais. Waldemio, vendo os dragões se aproximarem, deu o sinal. "Por nossa terra!" A cavalaria desceu o morro, Relâmpago galopando apesar do ferimento. Waldemio cravou a lança num dragão, desviou um sabre e incendiou um canhão com uma tocha. O estrondo abalou os imperiais, e Zé Durvalino, rindo, derrubou outro com o facão.
Mas Osório era implacável. Um batalhão de reserva contra-atacou, cercando a cavalaria de Waldemio. Relâmpago tropeçou, e um sabre imperial cortou o ombro do Gaudério. "Segura, mano!", gritou Juca, jogando uma pedra que desmontou um inimigo. Caiuá, com uma flecha, abriu caminho, e Waldemio, sangrando, liderou os homens de volta ao morro. No acampamento, Maria e Anahí enfrentavam uma nova ameaça: um pelotão imperial tentava queimar o rancho. Maria, com a faca, derrubou um soldado, enquanto Anahí, com o porrete, mandava outro pro chão. "Caçapava é nossa!", gritava a velha, o terço balançando.
A batalha durou até o amanhecer. Os imperiais recuaram, deixando quatro canhões e trezentos homens. Mas Caçapava pagou caro: cinquenta mortos, dezenas de feridos. Relâmpago, exausto, mal se movia. Waldemio, com o ombro e a coxa sangrando, caiu de joelhos, mas Maria o segurou. "Tu tá vivo, maldito!", disse, enfaixando os cortes, os olhos marejados. Ele riu, fraco. "É o jeito gaúcho, mana." Anahí, limpando o porrete, completou: "Jeito de louco, isso sim. Mas é por isso que o Império treme."
Ao meio-dia de 12 de novembro, um grito ecoou: "Lanceiros!" Os cem homens de Fidencio, montados, chegaram galopando, as lanças brilhando. A vila explodiu em vivas. Fagundes, com o rosto coberto de pó e sangue, abraçou o líder dos lanceiros, um negro alto chamado Manoel. "Vocês salvaram Caçapava", disse o coronel. Manoel balançou a cabeça. "Vocês seguraram o Império. A gente só veio ajudar a terminar." Waldemio, apoiado em Maria, sorriu. "Então que venha Osório. O Rio Grande tá pronto."
Mas o alívio durou pouco. Um batedor trouxe notícias: Osório, reforçado com mil homens de Porto Alegre, preparava um ataque final. "Amanhã", disse o batedor. "Vêm pra esmagar tudo." Fagundes reuniu a tropa, agora com os lanceiros de Fidencio. "Caçapava é o coração da República", disse. "Se segurarmos, Piratini vive. Se cairmos, o Rio Grande chora. Então, gaúchos, guaranis, lanceiros: afiem as armas. O último brado é nosso."
Naquela noite, junto às fogueiras, Waldemio tomou mate com Maria, Caiuá, Zé Durvalino e Manoel. "Sepé tá no vento", disse Caiuá, o ombro enfaixado. Manoel assentiu. "E Netto tá em Pelotas, segurando firme. A República não morre." Maria, com a faca ao lado, olhou as chamas. "Por Isidoro, por nossas terras." Waldemio, apertando o lenço, completou: "Por nós todos." O fogo crepitava, e Caçapava, ferida mas viva, se preparava. O Gaudério sabia: o amanhecer traria o último brado, e o Rio Grande rugiria como nunca.
Capítulo 21: O Fogo do Amanhecer
O amanhecer de 10 de novembro de 1835 raiou em Caçapava com um brilho vermelho no horizonte, como se o céu soubesse do sangue que ia rolar, bah! O ar tava pesado, cheirando a terra úmida e pólvora velha. Waldemio, O Gaudério, tava de pé junto a Relâmpago, passando a mão no pescoço do cavalo, que, mesmo machucado, parecia pronto pra briga final, bah! O ombro e a coxa de Waldemio doíam, mas ele apertava o lenço de Maria no bolso do poncho, sentindo o fogo da República queimar no peito. "Hoje, velho amigo", sussurrou ao cavalo. "O Rio Grande ou vive, ou morre!"
No acampamento, a vila pulsava com uma energia que era coisa de outro mundo, bah! Caiuá e seus guaranis, com rostos pintados, verificavam arcos e boleadeiras, movendo-se como sombras no mato. "O vento tá com nós", disse Caiuá, cravando uma flecha no chão. Zé Durvalino, polindo o facão, riu, a barba suja de terra. "Vento bom, mas meu braço é melhor, bah!" Juca, empilhando pedras na barricada, retrucou: "Teu braço só serve pra coçar essa barba, velho, bah!" O riso ecoou, mas era um riso de quem encara a morte de frente!
Maria e Dona Anahí trabalhavam sem parar. Na choupana-hospital, Maria organizava ataduras e emplastros, a faca sempre na cintura. "Se o Império passar, vai ter que pisar em mim, bah!", disse, esmagando guaco. Anahí, no rancho, distribuía o último milho e um caldo ralo de ossos. "Comida pouca, mas alma cheia, bah!", falou, o terço na mão e o porrete ao lado. As mulheres da vila, armadas com o que tinham – facas, enxadas, até varas de madeira, patrulhavam o rancho e o hospital, prontas pra defender Caçapava até o fim, bah!
O Coronel Fagundes reuniu a tropa ao nascer do sol, no galpão que mal aguentava de tão castigado, bah! O mapa, agora só retalhos, mostrava o terreno onde a batalha ia decidir tudo. "Osório vem com mil homens", disse Fagundes, a voz firme apesar do cansaço. "Seis canhões, trezentos dragões, infantaria pesada. Mas nós temos os lanceiros de Fidencio, o riacho, e o morro. Caçapava é nossa fortaleza!"
Manoel o Vice-líder dos lanceiros, ergueu a lança. "Meus homens tão prontos, coronel. Pelotas segurou, e Caçapava vai segurar, bah!" Waldemio falou: "A cavalaria desce do morro norte, como um raio. Se nós quebrarmos os canhões, Osório cai, bah!" Caiuá completou: "Meus guaranis vão ser o veneno nos flancos. Ninguém passa, bah!" Fagundes olhou cada um, os olhos brilhando. "Por nossas terras, por nossos mortos, pela República. Até o último fôlego, mas bah!"
As primeiras horas passaram num silêncio de matar, bah! Sentinelas no morro avistaram a poeira imperial às nove da manhã. Tambores ecoaram, e o chão tremeu com o avanço de mil homens. Osório, montado num cavalo branco, liderava com frieza, os canhões alinhados pra esmagar as trincheiras, bah! Fagundes deu a ordem: "Trincheiras, agora! Cavalaria, pro morro! Guaranis, pras sombras!" Waldemio montou Relâmpago, ignorando a dor, e liderou os trinta cavaleiros ao morro norte. Caiuá sumiu no mato com seus homens, e os lanceiros de Fideicio e Manoel reforçaram as barricadas, as lanças apontadas como dentes de ferro!
A batalha explodiu às dez da manhã! Os canhões de Osório rugiram, estilhaçando uma trincheira e matando oito farroupilhas. A infantaria imperial avançou em formação cerrada, mas o lamaçal do riacho, reforçado pelas valas de Caiuá, atolou botas e atrasou os canhões. Flechas guaranis voaram, derrubando oficiais, e boleadeiras quebraram cavalos, bah! Zé Durvalino, na trincheira, cortava como um louco, o facão pingando sangue. "Vem, imperiais! O Rio Grande tá com fome, bah!" Juca, nas árvores, jogava pedras com precisão, desmontando artilheiros.
Waldemio, do morro, viu os dragões imperiais se aproximarem. "Agora", gritou, e a cavalaria desceu, Relâmpago galopando com fúria. A lança de Waldemio cravou um dragão, e ele desviou um sabre, jogando uma tocha num canhão. O estrondo abalou o campo, e os lanceiros de Manoel, avançando, quebraram a linha inimiga com golpes precisos, bah! mas Osório contra-atacou com força. Um batalhão de infantaria pesada rompeu uma trincheira, e um canhonaço matou dez homens, incluindo dois lanceiros. Waldemio, cercado, levou um corte no braço, e Relâmpago caiu, ferido por uma baioneta. "Levanta, velho, bah!", gritou Waldemio, puxando o cavalo e lutando a pé, facão na mão.
No acampamento, Maria e Anahí enfrentavam o pior. Um pelotão imperial pequeno, desviando das trincheiras, tentou incendiar o rancho. Maria, com a faca, derrubou um soldado, enquanto Anahí, com o porrete/tacape, quebrou o braço de outro. "Por nossa terra, bah!", gritava o terço balançando. As mulheres da vila lutaram como leoas, mas duas caíram, e o rancho foi defendido com galhardia. Maria, tossindo na fumaça, arrastou um saco de milho pra choupana. "Nós não desistimos, bah!", disse, os olhos ardendo.
A batalha virou um caos, Osório, vendo os canhões atolados, jogou todos os dragões contra as trincheiras. Caiuá, ferido no peito por um tiro de raspão, continuou atirando flechas, derrubando um oficial. Zé Durvalino, com um corte na testa, ria enquanto cortava: "É assim que gaúcho morre, bah!" Manoel, liderando os lanceiros, abriu caminho até um canhão, destruindo-o com uma carga. Waldemio, agora a pé, lutava ao lado de Juca, que jogava pedras como se fosse um canhão humano. "Por Caçapava, bah!", berrava o guri.
Quando o sol bateu no meio do céu, o milagre veio, bah! Um grito ecoou: "Netto! Netto, bah!" De Pelotas, contra todas as chances, cem homens de Bento Gonçalves, liderados por Netto, chegaram galopando, as bandeiras farroupilhas tremulando. A tropa imperial, exausta, hesitou.
Fagundes, vendo a chance, gritou: "Agora, gaúchos! Por nossa terra, bah!" A cavalaria de Netto, os lanceiros de Fidencio, Manuel e os sobreviventes de Waldemio atacaram juntos, enquanto Caiuá e seus guaranis fechavam o cerco. Osório, acuado, ordenou a retirada, deixando cinco canhões e quatrocentos homens no campo, bah mas que tal tchê!
Caçapava venceu, mas o preço foi brabo, Setenta farroupilhas mortos, cento e poucos feridos. Relâmpago, ferido demais, caiu de vez, e Waldemio, ajoelhado ao lado do cavalo, chorou pela primeira vez, bah! Maria correu até ele, enfaixando o braço e o ombro. "Tu tá vivo, maldito", disse, a voz tremendo. Ele apertou o lenço dela, sem palavras. Anahí, com o porrete sujo de sangue, abraçou os dois. "O Rio Grande tá vivo, filhos, Por vocês."
Naquela noite, as fogueiras ardiam altas Netto, Fidencio, Manoel, Fagundes, Waldemio, Caiuá, Zé Durvalino, Juca e Maria se reuniram. O milho queimado foi esquecido, e a vila dividiu o pouco que restava. "Osório fugiu pra Porto Alegre", disse Netto. "Mas o Império não desiste. Piratini é o próximo alvo." Caiuá, com o peito enfaixado, falou: "Sepé tá no vento. Nós o seguimos." Zé Durvalino ergueu a cuia. "Por Caçapava, pela gauchada, bah!" esclamou Waldemio, olhando as estrelas, completou: "Por Isidoro, por Relâmpago, pela República!"
O batedor trouxe notícias ao amanhecer de 14 de novembro: Osório se reagrupava, mas Caçapava ganhara tempo, Piratini tava segura, por enquanto. A vila, em ruínas, cantava, Waldemio, com uma lança nova e um cavalo emprestado, subiu o morro. O lenço de Maria no bolso, ele olhou o horizonte. "O fogo não apaga, bah!", sussurrou. O Gaudério sabia: a guerra continuava, mas o Rio Grande, ferido, rugia mais alto, A República vivia!
Capítulo 22: A Marcha pra Piratini
O dia 14 de novembro de 1835 trouxe um alívio frágil a Caçapava, com o sol pálido lutando pra romper a névoa que cobria a vila, bah! As ruínas das trincheiras e o rancho queimado lembravam o custo da vitória, mas o canto dos gaúchos e guaranis, misturado ao trote dos lanceiros de Fidencio, dava vida ao acampamento. Waldemio, O Gaudério, tava de pé num morro, segurando as rédeas de um cavalo emprestado, um tordilho arisco que não chegava aos pés de Relâmpago. O ombro e a coxa, enfaixados, latejavam doloridos, mas ele ignorava a dor, o lenço de Maria apertado no bolso do poncho. "O Império lambe as feridas, mas não desiste, bah!", murmurou, olhando o horizonte onde Porto Alegre mandava mais tropas.
No acampamento, a vila se reerguia com teimosia. Caiuá, com o peito ainda enfaixado, liderava os guaranis na reconstrução de barricadas, usando troncos e pedras. "O vento diz que a guerra vem de novo", falou, afiando uma flecha. Zé Durvalino, consertando uma lança, riu, a barba cheia de terra. "Que venha, guarani! Meu facão tá com saudade!" Juca, carregando baldes d'água, resmungou: "Saudade é do teu mate, barba! Para de falar e ajuda!" O riso cortou o ar, mas todos sabiam: Caçapava era só o começo.
Maria e Dona Anahí comandavam o que restava do rancho. O milho perdido no fogo obrigava a racionar o pouco que sobrou, e o caldo agora era só água com ervas. "Nós vive com pouco, mas não se curva!", disse Anahí, o terço na mão e o porrete encostado. Maria, cortando pano pra ataduras, respondeu: "Se o Império quer nossa fome, vai engolir aço!" As mulheres da vila, ainda de luto pelas que caíram, afiavam facas e varriam cinzas, prontas pra lutar de novo, bah!
Ao meio-dia, o Coronel Fagundes reuniu a tropa no galpão, agora com telhado remendado. Netto, Fidencio, Manoel, Waldemio, Caiuá, Zé Durvalino e Juca o estafeta tavam lá. O mapa, colado, cheio de rabiscos e esperança, mostrava o caminho de Caçapava a Piratini. "Osório tá em Porto Alegre, juntando mais homens", disse Fagundes, a voz rouca. "Mas Piratini é o coração da República. Se nós não reforçar a capital, o Império esmaga tudo." Netto, coçando o queixo, falou: "Deixo cinquenta homens em Caçapava".
O resto marcha comigo pra Piratini. Bento Gonçalves tá lá, esperando." Fidencio Silva junto a Manuel ergueu a lança. "Meus lanceiros vão na frente. O caminho é brabo, mas nós é mais!" Waldemio, com o facão na cintura, disse: "A cavalaria cobre os flancos. Se Osório mandar dragões, nós corta como capim!" Caiuá consentiu: "Meus guaranis vão pelas trilhas. O mato é nosso amigo, bah!" Fagundes bateu na mesa. "Então, nós marchamos amanhã. Por nossas terras, pela República!"
A tarde foi de preparativos. Waldemio verificava o tordilho, ajustando a sela com cuidado. Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate. "Tchê tá mancando ainda, Waldemio. Não vai galopar pro meio dos canhões, vai?", perguntou, os olhos duros. Ele riu, pegando a cuia. "É o jeito gaúcho, mana. Mas prometo voltar vivo, bah!" Ela revirou os olhos, enfiando um pano limpo no poncho dele. "Tchê volta, ou eu mesma te busco no inferno!" Dona Anahí, vendo a cena, riu. "Essa guria é mais braba que Netto, bah! Cuida dela, Waldemio." Ele assentiu, o lenço de Maria pesando no peito.
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, perto do riacho. "O vento tá inquieto", disse o guarani, apontando o céu onde nuvens escuras se formavam. "Sepé tá olhando nós, mas o caminho pra Piratini é traiçoeiro, bah!" Waldemio coçou a barba. "Tchê acha que Osório vai tentar emboscar?" Caiuá assentiu. "Ele sabe que Piratini é tudo. Meus guaranis vão na frente, farejando dragões." Waldemio apertou o ombro do amigo, ignorando a dor. "Nós segura, Caiuá. Por Sepé, por Isidoro."
A noite caiu com fogueiras tímidas, o frio cortando os ponchos. Zé Durvalino contava causos, exagerando cada golpe do facão. "Eu juro, cortei cinco imperiais com um giro, bah!" Juca, roendo um pão duro, retrucou: "Cinco? Tchê mal acertou um, e tava no chão!" A gargalhada aqueceu a vila, e Maria, sentada com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá pensando no quê?", perguntou. Ele olhou as chamas. "Em Piratini. Em Bento Gonçalves. Na República que nós sonha. Mas também em ti, e na vila que nós não podemos perder, bah!" Ela sorriu, apertando a mão dele. "Então luta, mas volta, tchê."
O amanhecer de 15 de novembro veio com chuva fina, molhando a tropa que se preparava pra marchar. Netto liderava, com duzentos homens, incluindo os lanceiros de Manoel, a cavalaria de Waldemio, e os guaranis de Caiuá. Fagundes ficava em Caçapava com cinquenta homens, protegendo a vila. "Segurem a porta da República!", gritou Netto, montado. Waldemio, no tordilho, ergueu a lança. "Por nossas terras!" A tropa respondeu com um brado, e a marcha começou, o chão tremendo sob cascos e botas.
O caminho pra Piratini era um desafio, bah! Trilhas estreitas, matos fechados, e o risco de emboscadas. Caiuá e seus guaranis iam na frente, olhos afiados. No segundo dia, perto de um riacho, o ataque veio. Dragões imperiais, cem deles, surgiram do mato, sabres brilhando. "Emboscada!", gritou Caiuá, e suas flechas derrubaram cinco inimigos. Waldemio, na cavalaria, liderou a carga. "Por Caçapava!", berrou, cravando a lança num dragão. Manoel, Fidencio e seus lanceiros entraram na briga, quebrando a formação inimiga, enquanto Zé Durvalino, a pé, cortava como louco. "Vem, cuscos!"
A luta foi rápida, mas sangrenta. Os imperiais recuaram, deixando vinte mortos. A tropa perdeu dez homens, e Waldemio levou um corte leve no antebraço. Maria, que marchava com as mulheres pra cuidar dos feridos, enfaixou o braço dele, furiosa. "bah, Tchê quer morrer? Para de correr pro sabre!" Ele sorriu, fraco. "É o jeito gaúcho, bah!" Ela bufou, mas os olhos tavam marejados.
No quarto dia, a tropa avistou Piratini, a capital da República, com suas casas brancas e bandeiras farroupilhas tremulando! Bento Gonçalves, montado, recebeu Netto com um abraço. "Caçapava segurou o Rio Grande!", disse, a voz forte. Waldemio, Caiuá, Fidencio, Manoel e Zé Durvalino tavam atrás, orgulhosos. Maria, ao lado, sussurrou: "Nós vencemos, mano, bah!" Ele apertou o lenço, olhando a cidade. "Por Isidoro, por Sepé, pela gauchada."
Mas a guerra não parava. Batedores trouxeram notícias: Osório, com um exército maior, marchava pra Piratini. A capital seria o próximo campo de batalha. Waldemio, com a lança pronta, olhou pros companheiros. "O fogo não apaga, bah!", disse. O Gaudério sabia: o Rio Grande ia rugir de novo, e ele estava pronto pra liderar.
Capítulo 23: O Grito de Piratini
O fim do outono de 1835 trouxe um inverno cruel ao Rio Grande, com ventos que cortavam os Ponchos Verdes dos farroupilhas e chuvas que transformavam as estradas em lama. Caçapava, ainda marcada pela batalha de novembro, resistia como um símbolo da teimosia gaúcha, mas a guerra exigia mais. Bento Gonçalves, fortalecendo Piratini como capital da República Rio-Grandense, chamara a tropa de Netto para reforçar a cidade, sabendo que o Império, ferido mas não derrotado, tramava sua vingança. Waldemio, O Gaudério, passara os meses curando as feridas do corpo e do coração, lamentando Relâmpago, mas com o lenço de Maria e o Poncho Verde como âncoras. "O Rio Grande não dorme", murmurava, enquanto a tropa marchava sob o céu cinzento de dezembro, rumo a Piratini, onde 1836 prometia fogo e sangue!
O amanhecer de 17 de junho de 1836 raiou em Piratini com um céu pesado, nuvens escuras anunciando chuva e luta. A capital da República, com suas casas brancas e bandeiras farroupilhas tremulando, pulsava como o coração de um cavalo selvagem. Waldemio tava de pé na entrada da cidade, ajustando a sela do tordilho emprestado, um bicho arisco que nunca substituiria relâmpago. As cicatrizes no ombro e na coxa doíam com a umidade, mas ele ignorava, o lenço de Maria no bolso do Poncho Verde. Este Poncho Verde, o símbolo da resistência farroupilha, que marcava cada gaúcho como soldado da liberdade. "Piratini é nossa alma, bah!", sussurrou, olhando a tropa que se formava nas ruas de terra batida.
A guerra mudara desde Caçapava, sete meses antes. Osório, o general imperial, tava em Rio Grande, reunindo um exército de mil e quinhentos homens, com canhões modernos e dragões bem armados. Bento Gonçalves, presidente da República, comandava Piratini com determinação, mas as notícias eram duras: os legalistas, os "caramurus", avançavam pelo norte, e o Império apertava o cerco. O Poncho Verde, usado por Waldemio e seus companheiros, era mais que pano, era um grito de resistência contra a coroa!
No acampamento, a tropa se preparava com cansaço e coragem. Caiuá, com uma cicatriz cruzando o peito, liderava os guaranis, que afiavam flechas e testavam boleadeiras. "Sepé tá no vento, e o mato é nosso", disse, pintando o rosto com vermelho. Zé Durvalino, polindo o facão, riu, a barba grisalha suja de terra, o Poncho Verde amarrado na cintura. "Meu aço tá com fome, guarani!" Juca, crescido e magro após meses de guerra, carregava cartuchos de pólvora, resmungando: "Fome é tua, barba! Ajuda em vez de falar!" O riso ecoou, mas a sombra da batalha pesava!
Maria e Dona Anahí tavam no hospital improvisado, uma choupana reforçada com tábuas. O milho era escasso, e o caldo, só ervas e ossos, mal sustentava. "Nós não cai por bucho vazio!", disse Anahí, o terço na mão e um porrete ao lado, o Poncho Verde sobre os ombros. Maria, cortando ataduras, respondeu: "Se o Império quer Piratini, vai engolir nossas facas!" As mulheres da cidade, muitas com o Poncho Verde como xale, organizavam curativos e guardavam mantimentos, prontas pra lutar!
Bento Gonçalves reuniu a tropa ao meio-dia, num galpão que servia de quartel. Netto, Manoel, Waldemio, Caiuá e Zé Durvalino tavam lá, com os lanceiros e novos voluntários, todos marcados pelo Poncho Verde. O mapa, remendado, mostrava Piratini cercada por rios e morros. "Osório marcha de Rio Grande", disse Bento, a voz afiada. "Mil e quinhentos homens, oito canhões, e caramurus do norte se juntando. Piratini é o último bastião. Se nós perder, a República morre." Netto, o Poncho Verde esfarrapado, falou:
"Caçapava segurou, e Piratini vai segurar, bah!" Manoel, a lança brilhando, completou: "Meus lanceiros tão prontos. Que venham os caramurus!" Waldemio, o facão na cintura, disse: "A cavalaria usa os morros. Nós desce como trovão, quebra os canhões." Caiuá assentiu: "Meus guaranis tão no mato. As flechas mordem primeiro, bah!" Bento bateu na mesa. "Por nossos mortos, pelo Poncho Verde, pelo Rio Grande! Nós não cai!"
A tarde trouxe febre de preparativos. Waldemio verificava o tordilho, o Poncho Verde balançando no vento. Maria se aproximou, trazendo mate. "Tchê tá com cara de quem vai galopar pro inferno, Waldemio", disse, os olhos duros, o Poncho Verde dela manchado de cinzas. Ele pegou a cuia, rindo. "É o jeito gaúcho. Mas eu volto, bah!" Ela enfiou um emplastro no poncho dele. "Tchê volta, ou eu te arrasto de volta, Poncho Verde e tudo!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Essa guria é mais braba que Bento! Protege ela, Waldemio." Ele assentiu, o lenço de Maria quente no peito.
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, perto de um riacho. "O vento tá bravo", disse, apontando as nuvens. "Os caramurus vêm pelos morros, mas o mato é nosso!" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que Osório vai tentar de noite?" Caiuá confirmou: "Ele quer nós cansado. Meus guaranis tão vigiando." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé."
A noite caiu com chuva forte, ensopando os Ponchos Verdes da tropa. Zé Durvalino, junto à fogueira, contava causos. "Eu juro, derrubei sete caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Sete? Tchê mal cortou um, e tava dormindo!" A gargalhada aqueceu a tropa, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá pensando no quê?", perguntou. Ele olhou o fogo, respnde: "Em Piratini, na República, no Poncho Verde que nós carregamos, bah! Mas também em ti na mamãe e em Caçapava que nós deixou de pé." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Então luta, tchê, mas vive."
O amanhecer de 18 de junho veio com o som de tambores distantes. Osório atacava. A poeira subia nos morros, e mil e quinhentos homens marchavam, os canhões brilhando na chuva. Bento deu a ordem: "Trincheiras! Cavalaria pros morros! Guaranis pras sombras!" Waldemio, no tordilho, liderou a cavalaria, o Poncho Verde encharcado mas firme. Caiuá sumiu no mato, e Fidencio com Manoel posicionaram os lanceiros, os Ponchos Verdes como uma muralha viva.
A batalha explodiu ao meio-dia. Os canhões de Osório cuspiram fogo, destruindo uma barricada e matando dez farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas o mato traiu: flechas de Caiuá e boleadeiras derrubaram dezenas. Zé Durvalino, na trincheira, cortava com o facão, o Poncho Verde sujo de sangue. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, a lança cravando um dragão. "Pelo Poncho Verde!", gritou, incendiando um canhão com uma tocha, bah que tal loco!
Mas Osório era esperto. Um batalhão de reserva atacou os flancos, e um sabre cortou o braço de Waldemio. O tordilho caiu, e ele lutou a pé, o Poncho Verde rasgado. Maria, no hospital, ouviu o estrondo e correu pras trincheiras, a faca na mão, o Poncho Verde dela brilhando na chuva. "Nós não cai!", gritava, derrubando um caramuru. Anahí, com o porrete catape guarani, protegia o hospital, o Poncho Verde como um escudo!
Quando o sol caiu, Netto liderou uma carga final com os lanceiros, e Caiuá fechou o cerco com flechas. Osório recuou, deixando seis canhões e quinhentos homens. Piratini resistiu, mas perdeu oitenta farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado por Maria. "Tchê é loco!", disse ela, os olhos molhados. Ele riu, forçado, o Poncho Verde no chão. "É o jeito gaúcho, mana, bah!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Bento reuniu a tropa. "Piratini vive, e o Poncho Verde não cai, bah!" Zé Durvalino ergueu a cuia. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Mas batedores trouxeram más notícias: Osório se reagrupava, e o Império mandava mais tropas. Piratini, ferida, preparava o próximo rugido. Waldemio, com uma lança nova, olhou as estrelas. "O fogo não apaga, bah tchê !", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra outra.
Capítulo 24: A Sombra do Caramuru
O amanhecer de 19 de setembro de 1836 raiou em Piratini com um sol tímido, lutando pra furar a neblina que abraçava a capital da República Rio-Grandense. As ruas de terra, ainda molhadas da chuva da véspera, tavam marcadas pelas botas dos lanceiros e pelos cascos dos cavalos. Waldemio, O Gaudério, achava-se, na cocheira improvisada, verificando um novo cavalo, um alazão forte, cedido por Netto, mas que não apagava a saudade do Relâmpago. O braço, recém-cortado na batalha, estava enfaixado, e o Poncho Verde, rasgado mas limpo, balançava no vento. O lenço de Maria, no bolso, era seu talismã. "Piratini respira, mas o Império tá de tocaia", murmurou, olhando pros morros onde os caramurus podiam surgir.
A vitória do dia anterior, cara e sangrenta, dera um fôlego à República, mas ninguém em Piratini se iludia. Osório, recuado pra Rio Grande, lambia as feridas, mas batedores traziam notícias ruins: um novo general caramuru, Felisberto Caldeira, vinha do norte com oitocentos homens, reforçando o cerco imperial. O Poncho Verde, orgulho dos farroupilhas, era agora alvo dos legalistas, que juravam arrancar o pano verde de cada gaúcho, vivo ou morto, bah! Bento Gonçalves, mais grisalho após meses de guerra, reunia a tropa pra segurar a capital, enquanto mandava emissários pra Pelotas, onde Fidencio resistia.
No acampamento, a vila se movia com uma energia teimosa, bah! Caiuá, a cicatriz no peito coberta por tintas guaranis, liderava seus homens, que reforçavam armadilhas no mato com estacas e cordas. "O vento avisa: os caramurus tão perto", disse, testando uma boleadeira. Zé Durvalino, afiando o facão, riu, o Poncho Verde amarrado como faixa. "Que venham, guarani! Meu ferro tá com sede!" Juca, agora com um mosquete leve, carregava pólvora, resmungando: "Sede é tua, barba! Carrega algo além de causo!" O riso cortou a tensão, mas todos sentiam a sombra do inimigo, bah!
Maria e Dona Anahí tavam na choupana-hospital, que cheirava a ervas e sangue. O milho, quase no fim, obrigava a servir um caldo aguado, mas Anahí, com o terço na mão e o Poncho Verde nos ombros, mantinha a tropa de pé. "Nós não cai por fome!", disse, batendo o porrete na mesa. Maria, cortando pano pra curativos, respondeu: "Se os caramurus quiserem Piratini, vão comer barro!" As mulheres, com Ponchos Verdes como mantos, guardavam o pouco mantimento e afiavam lâminas, prontas pra defender a capital!
Bento Gonçalves reuniu os líderes ao meio-dia, no galpão-quartel. Netto, Manoel, Waldemio, Fidencio, Caiuá e Zé Durvalino tavam lá, com os lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, remendado com linha, mostrava os morros e rios em volta de Piratini. "Caldeira vem do norte", disse Bento, apontando. "Oitocentos homens, quatro canhões, e dragões ligeiros. Osório espera ele pra atacar dos dois lados. Nós tem dois dias, no máximo."
Netto, o Poncho Verde sujo de terra, falou: "Os morros são nossos. Podemos emboscar Caldeira antes que junte com Osório, bah!" Manoel, a lança firme, disse: "Meus lanceiros cortam o norte. Ninguém passa!" Waldemio, o facão na cintura, completou: "A cavalaria vai pelos flancos. Nós quebra os canhões antes que disparem." Caiuá concordou, "Meus guaranis tão no mato. As flechas vão cegar os caramurus, bah!" Bento olhou cada um, os olhos faiscando. "Pelo Poncho Verde, pela República! Piratini não cai!"
A tarde foi de correria. Waldemio, montado no alazão, treinava a cavalaria nos morros, o Poncho Verde tremulando. Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate. "Tchê tá com jeito de quem vai enfrentar o diabo, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela com marcas de cinza. Ele riu, pegando a cuia. "O diabo é o Caldeira, mana. Mas eu volto, bah!" Ela enfiou um emplastro no poncho dele. "Tchê volta, ou eu te busco a faca, Poncho Verde e tudo!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Essa guria é mais braba que lanceiro, bah! Cuida dela, Waldemio." Ele assentiu, o lenço de Maria pesando no peito.
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num riacho. "O vento tá gelado", disse, apontando o norte. "Caldeira tá a um dia, mas o mato tá com nós, bah!" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que ele vem de noite?" Caiuá confirmou: "Quer nós desprevenido. Meus guaranis tão nas trilhas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé."
A noite caiu com um silêncio pesado, as fogueiras abafadas pela neblina. Zé Durvalino contava causos, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei oito caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Oito? Tchê mal cortou um, e tava tropeçando!" A gargalhada aqueceu a tropa, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá pensando no quê, mano?", perguntou. Ele olhou as chamas. "No Poncho Verde, na República, em Piratini que nós defende, bah! Mas também em sua Mãe, e em Caçapava que nós nunca esquecemos." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Luta, mas viva."
O amanhecer de 20 de junho trouxe o alarme. Batedores gritaram: "Caramurus no norte!" Caldeira atacava, mais rápido que o esperado, com oitocentos homens e quatro canhões. Bento deu a ordem: "Trincheiras! Cavalaria pros morros! Guaranis pro mato!" Waldemio, no alazão, liderou a cavalaria, o Poncho Verde brilhando na neblina. Caiuá sumiu com seus guaranis, e Manoel e Fidencio alinharam os lanceiros, como uma parede viva!
A batalha explodiu às dez da manhã. Os canhões de Caldeira rugiram, estilhaçando uma barricada e matando doze farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas as armadilhas de Caiuá com estacas e cordas derrubaram cavalos, e flechas guaranis cegaram oficiais. Zé Durvalino, na trincheira, cortava com o facão, o Poncho Verde pingando sangue. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, a lança cravando dragões. "Pelo Poncho Verde!", gritou, incendiando um canhão com uma tocha!
Caldeira, porém, era feroz. Um esquadrão de dragões flanqueou, e um sabre rasgou o Poncho Verde de Waldemio, cortando o peito. Ele caiu do alazão, mas lutou a pé, o facão na mão. Maria, na trincheira, viu e correu, a faca brilhando, o Poncho Verde dela sujo de lama. "Nós não cai!", gritava, derrubando um caramuru. Anahí, com o catape, defendia o hospital, o Poncho Verde como armadura!
Ao meio-dia, Netto liderou uma carga com os lanceiros, e Caiuá fechou o cerco com o batalhão das boleadeiras. Caldeira recuou, deixando três canhões e trezentos homens. Piratini venceu, mas perdeu sessenta farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado por Maria. "Mais uma vez sentenciou, Tchê é louco!", disse ela, os olhos marejados. Ele riu, sem graça, o Poncho Verde rasgado no chão. "Bah! É o jeito gaúcho!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Bento reuniu a tropa. "Piratini tá de pé, e o Poncho Verde vive", Zé Durvalino ergueu a cuia do chimarrão. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Mas um batedor trouxe o aviso: Osório marchava do sul, juntando forças com Caldeira. Piratini, ferida, preparava o próximo brado. Waldemio, com uma lança nova, olhou o céu. "O fogo não apaga, sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra rugir.
Capítulo 25: O Brado do Poncho Verde
O inverno de 1836 castigara o Rio Grande com chuvas que alagavam as trincheiras e ventos que rasgavam os Ponchos Verdes dos farroupilhas. Piratini, coração da República Rio-Grandense, resistira aos ataques de Caldeira e Osório, mas a guerra cobrava seu preço: homens caídos, mantimentos escassos e a sombra do Império crescendo. Waldemio, O Gaudério, passara os meses entre emboscadas e curativos.
O lenço de Maria no bolso e o Poncho Verde como bandeira. Caçapava, Pelotas e Piratini formavam um triângulo de resistência, mas Bento Gonçalves sabia: 1837 seria o ano do tudo ou nada. "O Poncho Verde não se curva", murmurava Waldemio, enquanto a tropa se preparava sob o céu cinzento de dezembro de 1836, marchando para reforçar as defesas de Piratini, onde o novo ano traria o rugido final, bah!
O amanhecer de 20 de junho de 1837 raiou em Piratini com um sol fraco, mal aquecendo a neblina que se assentava sobre a capital, bah! As ruas de terra, marcadas por sulcos de carroças e cascos, pulsavam com a vida teimosa dos farroupilhas. Waldemio permanecia de pé na entrada da cidade, ajustando a sela do alazão, um cavalo forte que, embora valente, nunca substituiria Relâmpago. O peito, cicatrizado do corte de Caldeira, doía no frio, mas ele ignorava, o Poncho Verde tremulando e o lenço de Maria quente no bolso. "Piratini é nosso fogo, bah!", sussurrou, olhando os morros onde os caramurus podiam surgir.
A guerra se apresentava mais braba em 1837. Osório, reforçado em Rio Grande, agora liderava dois mil homens, com dez canhões e dragões armados até os dentes. Caldeira, derrotado em junho de 1836, juntara-se a ele, e um novo general imperial, João de Deus Mena Barreto, vinha do leste com quinhentos soldados. O Poncho Verde, símbolo da República, era odiado pelos caramurus, que queimavam qualquer pano verde capturado, bah! Bento Gonçalves, com rugas mais fundas, comandava Piratini com estratégia e paixão, mas a cidade se achava cercada, com suprimentos no fim.
No acampamento, a tropa se mantinha firme, apesar do cansaço, bah! Caiuá, a cicatriz no peito coberta por tintas guaranis, liderava seus homens, que reforçavam armadilhas com estacas e cipós. "Sepé tá no vento, e o mato é nosso", disse, testando uma boleadeira. Zé Durvalino, afiando o facão, riu, o Poncho Verde amarrado na cintura. "Meu ferro tá com fome, guarani!" Juca, agora com um mosquete e mais ousado, carregava pólvora, resmungando: "Fome é tua, barba! Carrega algo além de lorota!" O riso aliviava, mas a ameaça dos caramurus se localizava cada vez mais perto, bah!
Maria e Dona Anahí se encontravam na choupana-hospital, que cheirava a guaco e sangue seco. O milho acabara, e o caldo, só ervas amargas, mal sustentava. "Nós não cai por bucho vazio!", disse Anahí, o terço na mão e o Poncho Verde nos ombros, o porrete encostado. Maria, cortando pano pra ataduras, respondeu: "Se os caramurus quiserem Piratini, vão comer faca!" As mulheres, com Ponchos Verdes como mantos, guardavam o pouco que restava e afiavam lâminas, prontas pra lutar, bah!
Bento Gonçalves reuniu os líderes ao meio-dia, no galpão-quartel. Netto, Manoel, Waldemio, Caiuá e Zé Durvalino se apresentavam lá, com lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, quase pó, mostrava Piratini cercada por rios e morros. "Osório e Mena Barreto vêm juntos", disse Bento, a voz grave. "Dois mil e quinhentos homens, dez canhões. Piratini é o fim da linha. Se nós perder, o Poncho Verde vira cinza." Netto, o Poncho Verde esfarrapado, falou: "Piratini é nossa alma, e nós segura, bah!" Fidencio, a lança firme, disse: "Meus lanceiros cortam o leste.
Mena Barreto não passa!" Waldemio, o facão na cintura, completou: "A cavalaria vai pelos morros. Nós quebra os canhões antes do primeiro tiro." Caiuá assentiu: "Meus guaranis tão no mato. As flechas vão cegar os caramurus, bah!" Bento olhou cada um, os olhos em brasa. "Pelo Poncho Verde, pela República! Piratini não cai!"
A tarde se situava em frenesi. Waldemio, no alazão, treinava a cavalaria nos morros, o Poncho Verde voando no vento. Maria se aproximou, trazendo mate. "Tchê tá com jeito de quem vai enfrentar o inferno, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela sujo de terra. Ele riu, pegando a cuia. "O inferno é o Osório, mana. Mas eu volto, bah!" Ela enfiou um emplastro no poncho dele. "Tchê volta, ou eu te busco com a faca, Poncho Verde e tudo!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Essa guria é mais braba que canhão, bah! Cuida dela, Waldemio." Ele deu de ombros, sim, o lenço de Maria quente no peito.
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num riacho. "O vento tá nervoso", disse, apontando o leste. "Mena Barreto tá a um dia, mas o mato é nosso, bah!" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que ele vem de noite?" Caiuá confirmou: "Quer nós desprevenido. Meus guaranis tão nas trilhas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé."
A noite se ajustava com neblina densa, as fogueiras fracas. Zé Durvalino contava causos, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei dez caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Dez? Tchê mal cortou um, e tava bêbado!" A gargalhada aqueceu a tropa, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá pensando no quê?", perguntou. Ele olhou as chamas. "No Poncho Verde, na República, em Piratini que nós defende, bah! Mas também de ti, e em Caçapava que tá no coração." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Luta, tchê, mas vive."
O amanhecer de 21 de junho trouxe o alarme. Batedores gritaram: "Caramurus no leste!" Mena Barreto atacava com quinhentos homens e dois canhões, mais rápido que o esperado. Bento deu a ordem: "Trincheiras! Cavalaria pros morros! Guaranis pro mato!" Waldemio, no alazão, liderou a cavalaria, o Poncho Verde brilhando na neblina. Caiuá sumiu com seus guaranis, Fidencio e Manoel alinharam os lanceiros, os Ponchos Verdes como uma muralha!
A batalha explodiu às nove da manhã. Os canhões de Mena Barreto rugiram, estilhaçando uma barricada e matando dez farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas as armadilhas de Caiuá suas estacas e cipós, derrubaram cavalos, e flechas guaranis acertaram oficiais. Zé Durvalino, na capina e seu grupo de malevas, cortavas com o facão cada inimigo que surgisse, o Poncho Verde pingando sangue. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, a lança cravando dragões.
"Pelo Poncho Verde!", gritou, incendiando canhão com uma tocha, bah!ena Barreto, porém, era astuto. Um esquadrão de dragões flanqueou, e um sabre rasgou o Poncho Verde de Waldemio, cortando o ombro. Ele caiu do alazão, mas lutou a pé, o facão na mão. Maria, na trincheira, viu e correu, a faca brilhando, o Poncho Verde dela sujo de lama. "Nós não caímos!", gritava, derrubando um caramuru. Anahí, com o tacape indígena, defendia o hospital, o Poncho Verde como armadura!
Ao meio-dia, Netto liderou uma carga com os lanceiros, e Caiuá fechou o cerco com boleadeiras. Mena Barreto recuou, deixando um canhão e duzentos homens. Piratini venceu, mas perdeu cinquenta farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado por Maria. "bah Tchê ta loco, mano!", disse ela, os olhos lagrimejantes. Ele riu, dolorido, o Poncho Verde rasgado no chão. "É o jeito gaúcho, mas bah!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Bento reuniu a tropa. "Piratini tá de pé, e o Poncho Verde vive, bah!" Zé Durvalino ergueu a cuia. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Mas um batedor trouxe o aviso: Osório, com dois mil homens, vinha do sul. Piratini, exausta, preparava o último brado. Waldemio, com uma lança nova, olhou o céu. "O fogo não apaga, bah!", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra rugir.
Capítulo 26: O Cerco Final
O amanhecer de 22 de novembro de 1837 raiou em Piratini com um sol quente, queimando a neblina que abraçava a capital da República Rio-Grandense, bah! A cidade, com suas casas brancas marcadas por balas e cinzas, se mantinha de pé por pura teimosia. Waldemio, O Gaudério, se encontrava na entrada da cidade, amarrando a lança ao alazão, cujo fôlego quente cortava o ar seco. O ombro, recém-cortado numa emboscada em junho, ardia sob o curativo, mas o Poncho Verde, remendado por Maria, tremulava como bandeira. O lenço dela, no bolso, era seu último refúgio. "Piratini é nosso sangue, sussurrou, os olhos fixos no sul, onde a poeira de Osório já se erguia.
A vitória contra Mena Barreto, cinco meses antes, custara caro: cinquenta farroupilhas mortos e a choupana-hospital lotada. Bento Gonçalves, com o rosto sulcado pela guerra, sabia que o cerco final se aproximava. Osório, com dois mil homens, dez canhões e dragões reforçados, marchava do sul, enquanto Mena Barreto, lambendo as feridas no leste, prometia voltar. O Poncho Verde, orgulho da República, era agora um desafio aos caramurus, que juravam queimar cada pano verde antes de tomar Piratini, bah! A cidade se achava no limite, com milho esgotado e pólvora racionada, mas o espírito farroupilha não se curvava.
No acampamento, a tropa se apresentava exausta, mas indomável, bah! Caiuá, com a cicatriz no peito escondida por tintas guaranis, liderava seus homens, que espalhavam armadilhas de cipós e estacas nos morros. "Sepé tá no vento, e a terra é nossa", disse, afiando uma flecha. Zé Durvalino, polindo o facão, riu, o Poncho Verde sujo de lama. "Minha lâmina tá com fome, guarani!" Juca, agora um atirador preciso com o mosquete, carregava cartuchos, resmungando: "Fome é tua, barba! Carrega algo além de bravata!" O riso era curto, mas aquecia os corações, pois a sombra de Osório se localizava a poucas horas, bah!
Maria e Dona Anahí se situavam na choupana-hospital, onde o cheiro de ervas lutava contra o de sangue. Sem milho, o caldo era só água com guaco, mas Anahí, com o terço na mão e o Poncho Verde nos ombros, mantinha a tropa viva. "Nós não cai por fome!", disse, o porrete pronto. Maria, cortando ataduras, respondeu: "Se os caramurus quiserem Piratini, vão engolir faca!" As mulheres, com Ponchos Verdes como capas, protegiam o hospital e afiavam lâminas, prontas pra lutarem!
Bento Gonçalves reuniu os líderes ao nascer do sol, no galpão-quartel, que mal se sustentava. Netto, Manoel, Waldemio, Caiuá e Zé Durvalino se encontravam lá, com lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, reduzido a farrapos, mostrava Piratini cercada. "Osório vem com tudo", disse Bento, a voz rouca. "Dois mil homens, dez canhões, e Mena Barreto pode flanquear. Piratini é nossa última trincheira. Se nós perder, a República terminará." Netto, o Poncho Verde esfarrapado, falou: "Nós segurou Caçapava, segurou Piratini antes, e vai segurar agora, Manoel, a lança erguida, disse: Fidencio e eu "Nossos lanceiros tão prontos.
Osório não passa!" Waldemio, o facão na cintura, completou: "A cavalaria usa os morros. Nós desce e quebra os canhões." Caiuá assentiu: "Meus guaranis tão no mato. As boleadeiras vão quebrar os caramurus, bah!" Bento olhou cada um, os olhos em chamas. "Pelo Poncho Verde, pela República! Até o último gaúcho!" A manhã se ajustava em preparativos febris. Waldemio, no alazão, verificava a cavalaria, o Poncho Verde molhado pelo suor.
Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate ralo. "Tchê tá com cara de quem vai enfrentar o fim do mundo, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela manchado de sangue seco. Ele riu, pegando a cuia. "O fim do mundo é o Osório, mana. Mas eu volto, bah!" Ela enfiou um emplastro no poncho dele. "Tchê volta, ou eu te arrasto, Poncho Verde e tudo!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Essa guria é mais braba que dragão, bah! Cuida dela, Waldemio." Está bem, o lenço de Maria ardendo no peito.
Caiuá encontrou Waldemio ao meio-dia, num riacho. "O vento tá quente", disse, apontando o sul. "Osório tá perto, mas o mato é nosso, bah!" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que ele vai tentar flanquear?" Caiuá confirmou: "Quer nós preso. Meus guaranis tão nas trilhas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé."
A tarde se apresentava tensa, com sentinelas nos morros avistando a poeira imperial. Às três horas, o chão tremeu: Osório atacava. Dois mil homens, dez canhões e dragões em formação cerrada marchavam sob bandeiras caramurus. Bento deu a ordem: "Trincheiras! Cavalaria pros morros! Guaranis pro mato!" Waldemio, no alazão, liderou a cavalaria, o Poncho Verde brilhando ao sol. Caiuá sumiu com seus guaranis, e Manoel alinhou os lanceiros, os Ponchos Verdes como um mar verde, bah!
A batalha explodiu às quatro da tarde. Os canhões de Osório rugiram, destruindo duas barricadas e matando quinze farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas as armadilhas de Caiuá ps cipós estacas, trocos e valas derrubaram cavalos, e flechas guaranis derrubaram oficiais. Zé Durvalino, na trincheira, cortava com o facão, o Poncho Verde encharcado de sangue. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, a lança cravando um dragão. "Pelo Poncho Verde!", gritou, incendiando um canhão com uma tocha, bah!
Osório, porém, era implacável. Um batalhão de dragões flanqueou, e um canhonaço atingiu a trincheira, matando vinte homens. Waldemio, cercado, levou um corte na perna, o Poncho Verde rasgado. O alazão caiu, e ele lutou a pé, o facão na mão. Maria, na trincheira, viu e correu, a faca brilhando, o Poncho Verde dela sujo de terra. "Nós não cai!", gritava, derrubando um caramuru. Anahí, com o porrete, defendia o hospital, o Poncho Verde como escudo, bah!
Quando o sol caiu, Mena Barreto surgiu do leste com trezentos homens, apertando o cerco. Mas Netto, com os lanceiros, liderou uma carga desesperada, e Caiuá fechou o flanco com boleadeiras. Osório, vendo a resistência, recuou, deixando sete canhões e seiscentos homens. Piratini venceu, mas perdeu cem farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado por Maria pele enésima vez. "Tchê é louco!", disse ela, os olhos molhados. Ele riu, fraco, o Poncho Verde no chão. "É o jeito gaúcho, mana, bah!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Bento reuniu a tropa. "Piratini vive, e o Poncho Verde não cai, bah!" Zé Durvalino ergueu a cuia. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Um batedor trouxe notícias: Osório se reagrupava, e o Império mandava reforços de Porto Alegre. Piratini, em ruínas, preparava o último grito. Waldemio, com uma lança nova, olhou o céu. "O fogo não apaga, bah!", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra rugir.
Capítulo 27: A Chama Inquebrável
O fim de 1837 trouxe um verão ardente ao Rio Grande, com o sol queimando as planícies e o Poncho Verde dos farroupilhas tremulando em Piratini, apesar das derrotas e vitórias que marcaram o ano. A batalha de novembro, que segurou Osório e Mena Barreto, deu à República um fôlego curto, mas caro: a cidade estava em ruínas, e os homens, exaustos. Waldemio, O Gaudério, passara os meses seguintes entre escaramuças e curativos, o lenço de Maria no bolso e o Poncho Verde como escudo.
Bento Gonçalves, preso pelos imperiais em outubro, deixara Netto no comando, e a tropa, reduzida, se preparava para 1838, sabendo que o Império não descansava. "O Poncho Verde é nossa alma", murmurava Waldemio, enquanto Piratini reforçava suas defesas sob o calor de dezembro, pronta para o próximo rugido, bah! O amanhecer de 23 de novembro de 1838 raiou em Piratini com um sol escaldante, derretendo o orvalho nas trincheiras improvisadas!
A capital da República Rio-Grandense, com suas casas brancas agora quase cinzas, se mantinha viva por teimosia gaúcha. Waldemio se encontrava no curral, ajustando a sela do alazão, cujo pelo brilhava de suor. O ombro e a perna, cicatrizados mas doloridos, protestavam, mas o Poncho Verde, costurado por Maria, tremulava firme. O lenço dela, no bolso, era sua força. "Piratini é nosso coração, bah!", sussurrou, os olhos no horizonte, onde a poeira dos caramurus de Osório podia surgir.
A guerra se apresentava mais cruel em 1838. Bento Gonçalves, fora preso e legado para a Bahia, deixara a República sob Netto, que lutava para manter Piratini. Osório, com mil e oitocentos homens e oito canhões, se localizava em Rio Grande, enquanto Mena Barreto, no leste, recebia reforços de Porto Alegre. O Poncho Verde, símbolo farroupilha, era agora um troféu para os caramurus, que juravam arrancá-lo de cada gaúcho, Piratini se achava cercada, com pólvora escassa e mantimentos roubados em emboscadas, mas a chama da República não se apagava.
No acampamento, a tropa se situava exausta, mas inquebrável, bah! Caiuá, com a cicatriz no peito coberta por tintas guaranis, liderava seus homens, que reforçavam armadilhas com estacas e cordas. "Sepé tá no vento, e o mato é nosso", disse, testando uma boleadeira. Zé Durvalino, afiando o facão, riu, o Poncho Verde amarrado na cintura. "Meu aço tá com sede, guarani!" Juca, agora um atirador habilidoso, carregava cartuchos, resmungando: "Sede é tua, barba! Carrega algo além de lorota!" O riso era fraco, mas aquecia, pois o perigo dos caramurus se aproximava!
Maria e Dona Anahí se localizavam na choupana-hospital, onde o cheiro de ervas lutava contra o de feridas. Sem milho, o caldo era água com ervas amargas, mas Anahí, com o terço na mão e o Poncho Verde nos ombros, mantinha a tropa de pé. "Nós não cai por fome!", disse, o porrete/tacape encostado. Maria, cortando pano pra ataduras, respondeu: "Se os caramurus quiserem Piratini, vão engolir faca!" As mulheres, com Ponchos Verdes como mantos, protegiam o hospital e afiavam lâminas, prontas pra lutar, bah!
Netto reuniu os líderes ao meio-dia, no galpão-quartel, que se sustentava por milagre. Manoel, Waldemio, Caiuá e Zé Durvalino se apresentavam lá, com lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, quase desfeito, mostrava Piratini cercada. "Osório vem do sul", disse Netto, a voz firme. "Mil e oitocentos homens, oito canhões, e Mena Barreto tá no leste. Piratini é nosso último chão.
Se nós perder, a República acaba." Manoel, a lança erguida, disse: "Meus lanceiros tão prontos. Os caramurus não passa!" Waldemio, o facão na cintura, completou: "A cavalaria usa os morros. Nós descemos e quebramos os canhões." Caiuá assentiu: "Meus guaranis tão no mato. As flechas vão morder primeiro, bah!" Netto olhou cada um, os olhos ardendo. "Pelo Poncho Verde, pela República! Até o fim!"
A manhã se ajustava em preparativos frenéticos. Waldemio, no alazão, verificava a cavalaria, o Poncho Verde encharcado de suor. Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate ralo. "Tchê tá com cara de quem vai galopar pro inferno, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela manchado de terra. Ele riu, pegando a cuia. "O inferno é o Osório, mana. Mas eu volto, bah!" Ela enfiou um emplastro no poncho dele. "Tchê volta, ou eu te busco, Poncho Verde e tudo!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Essa guria é mais braba que Netto, bah! Cuida dela, Waldemio." Ele assentiu, o lenço de Maria quente no peito.
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num riacho. "O vento tá seco", disse, apontando o sul. "Osório tá a um dia, mas o mato é nosso, bah!" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que ele vai tentar de noite?" Caiuá confirmou: "Quer nós cansado o não. Meus guaranis tão nas trilhas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé."
A noite se situava com calor abafado, as fogueiras tímidas. Zé Durvalino contava causos, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei doze caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Doze? Tchê mal cortou um, e tava dormindo!" A gargalhada aqueceu a tropa, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá pensando em quê?", perguntou. Ele olhou as chamas. "No Poncho Verde, na República, em Piratini que nós defende! Mas também em ti, e em Caçapava que tá no coração." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Luta, tchê, mas vive."
O amanhecer de 24 de novembro trouxe o alarme. Batedores gritaram: "Caramurus no sul!" Osório atacava com mil e oitocentos homens e oito canhões. Netto deu a ordem: "Trincheiras! Cavalaria pros morros! Guaranis pro mato!" Waldemio, no alazão, liderou a cavalaria, o Poncho Verde brilhando ao sol. Caiuá sumiu com seus guaranis, e Manoel alinhou os lanceiros, os Ponchos Verdes como uma muralha, bah!
A batalha explodiu às dez da manhã. Os canhões de Osório rugiram, destruindo uma barricada e matando doze farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas as armadilhas de Caiuá, cordas e estacas, derrubaram cavalos, e flechas guaranis cegaram oficiais. Zé Durvalino, na trincheira, cortava com o facão, o Poncho Verde pingando sangue. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, a lança cravando um dragão. "Pelo Poncho Verde!", gritou, incendiando um canhão com uma tocha, bah!
Osório era feroz. Um esquadrão de dragões flanqueou, e um sabre cortou o peito de Waldemio, rasgando o Poncho Verde. Ele caiu do alazão, mas lutou a pé, o facão na mão. Maria, na trincheira, viu e correu, a faca brilhando, o Poncho Verde dela sujo de terra. "Nós não cai!", gritava, derrubando um caramuru. Anahí, com o porrete/catape, defendia o hospital, o Poncho Verde como armadura.
Ao meio-dia, Netto liderou uma carga com os lanceiros, e Caiuá fechou o flanco com boleadeiras. Osório recuou, deixando cinco canhões e quatrocentos homens. Piratini venceu, mas perdeu oitenta farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado por Maria mais uma vez. "Tchê é louco!", disse ela, os olhos molhados. Ele riu, fraco, o Poncho Verde no chão. "É o jeito gaúcho, bah!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Netto reuniu a tropa. "Piratini vive, e o Poncho Verde não cai, bah!" Zé Durvalino ergueu a cuia. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Um batedor trouxe notícias: Osório se reagrupava, e Mena Barreto vinha do leste. Piratini, ferida, preparava o próximo brado. Waldemio, com uma lança nova, olhou o céu. "O fogo não apaga, bah!", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra ressoar na campina.
Capítulo 28: A Resistência de Piratini
O fim de 1838 trouxe um verão sufocante ao Rio Grande, com o calor secando os rios e o Poncho Verde dos farroupilhas tremulando em Piratini, apesar das batalhas que marcaram o ano. A vitória de novembro contra Osório dera à República um alívio temporário, mas a cidade sangrava: trincheiras destruídas, homens exaustos e mantimentos quase nulos, teriam de prover alimentação proteger plantações de milho, arroz e feijão e trigo tambem como o gado e os rebanhos de ovelhas.
Waldemio, O Gaudério, passara os meses seguintes em emboscadas e curativos, o lenço de Maria no bolso e o Poncho Verde como bandeira. Netto, liderando na ausência de Bento Gonçalves, reforçava Piratini, enquanto batedores alertavam sobre novos movimentos imperiais. "O Poncho Verde não se rende", murmurava Waldemio, enquanto a tropa se preparava sob o sol ardente de dezembro de 1838, pronta para enfrentar 1839, onde a República lutaria por sua sobrevivência, bah!
O amanhecer de 24 de novembro de 1839 raiou em Piratini com um sol implacável, queimando a terra seca e iluminando as ruínas da capital da República Rio-Grandense, bah! As casas brancas, agora manchadas de fuligem, se mantinham de pé por pura determinação gaúcha. Waldemio se encontrava no curral, ajustando a sela do alazão, cujo pelo reluzia de suor.
O peito e a perna, cicatrizados mas sensíveis, doíam no calor, mas o Poncho Verde, remendado por Maria, tremulava firme. O lenço dela, no bolso, era sua âncora. "Piratini é nossa alma, bah!", sussurrou, os olhos no horizonte, onde a poeira dos caramurus de Osório podia surgir.
A guerra se apresentava mais desesperada em 1839. Bento Gonçalves, ainda preso na Bahia, deixava Netto no comando, mas a República se achava encurralada. Osório, com mil e quinhentos homens e sete canhões, se localizava em Rio Grande, enquanto Mena Barreto, reforçado com quatrocentos soldados, rondava o leste. O Poncho Verde, símbolo da resistência, era um desafio aos caramurus, que prometiam queimar cada pano verde capturado, bah! Piratini se situava no limite, com pólvora roubada em emboscadas e mantimentos reduzidos a ervas e carne seca, mas a chama farroupilha ardia.
No acampamento, a tropa se mantinha resiliente, apesar do desgaste, bah! Caiuá, com a cicatriz no peito coberta por tintas guaranis, liderava seus homens, que reforçavam armadilhas com estacas e cipós. "Sepé tá no vento, e o mato é nosso", disse, testando uma boleadeira. Zé Durvalino, afiando o facão, riu, o Poncho Verde amarrado na cintura. "Meu ferro tá com sede, guarani!" Juca, agora um atirador experiente, carregava cartuchos, resmungando: "Sede é tua, barba! Carrega algo além de causo!" O riso era frágil, mas aquecia, pois o perigo dos caramurus se aproximava!
Maria e Dona Anahí se localizavam na choupana-hospital, onde o cheiro de guaco lutava contra o de feridas. Sem milho, o caldo era só ervas amargas, mas Anahí, com o terço na mão e o Poncho Verde nos ombros, mantinha a tropa viva. "Nós não cai por fome!", disse, o porrete encostado. Maria, cortando pano pra ataduras, respondeu: "Se os caramurus quiserem Piratini, vão engolir fogo e ferro!" As mulheres, com Ponchos Verdes como mantos, protegiam o hospital e afiavam lâminas, prontas pra pelear!
Netto reuniu os líderes ao meio-dia, no galpão-quartel, que se sustentava por teimosia. Fidencio, Manoel, Waldemio, Caiuá e Zé Durvalino se apresentavam lá, com lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, quase pó, mostrava Piratini cercada. "Osório vem do sul", disse Netto, a voz rouca. "Mil e quinhentos homens, sete canhões, e Mena Barreto tá no leste. Piratini é nosso último bastião. Se nós perder, a República morre." Fidencio com a lança erguida, disse: "Meus lanceiros tão prontos.
Os caramurus não passam!" Waldemio, o facão na cintura, completou: "A cavalaria usa os morros. Nós desce e quebra os canhões." Caiuá concordou: "Meus guaranis tão na mata. As flechas vão morder primeiro!" Netto olhou cada um, os olhos em brasa. "Pelo Poncho Verde, pela República! Até o último fôlego!" A manhã se ajustava em preparativos frenéticos. Waldemio, no alazão, verificava a cavalaria, o Poncho Verde encharcado de suor. Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate ralo. "Tchê tá com cara de quem vai galopar pro inferno, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela manchado de terra. Ele riu, pegando a cuia. "O inferno é o Osório. Mas eu volto, bah!"
Ela enfiou um emplastro no poncho dele. "Tchê volta, ou eu te busco, Poncho Verde e tudo!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Essa guria é mais braba que canhão, bah! Cuida dela, Waldemio." Ele concorda, o lenço de Maria quente no peito. Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num riacho seco. "O vento tá quente", disse, apontando o sul. "Osório tá a um dia, mas o mato é nosso, bah!" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que ele vai tentar de noite?" Caiuá confirmou: "Quer nós desprevenido. Meus guaranis tão nas trilhas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé."
A noite se situava com calor abafado, as fogueiras tímidas. Zé Durvalino contava causos, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei quinze caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Quinze? Tchê mal cortou um, e tava tropeçando!" A gargalhada aqueceu a tropa, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá pensando no quê, mano?", perguntou. Ele olhou as chamas. "No Poncho Verde, na República, em Piratini que nós defende, bah! Mas também em mamãe em ti, e em Caçapava que tá no coração." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Lute, tchê, mas vive."
O amanhecer de 25 de novembro trouxe o alarme. Batedores gritaram: "Caramurus no sul!" Osório atacava com mil e quinhentos homens e sete canhões. Netto deu a ordem: "Trincheiras! Cavalaria pros morros! Guaranis pro mato!" Waldemio, no alazão, liderou a cavalaria, o Poncho Verde brilhando ao sol. Caiuá sumiu com seus guaranis, e Fidencio com Manoel alinharam os lanceiros, os Ponchos Verdes como uma muralha humana!
A batalha explodiu às nove da manhã. Os canhões de Osório rugiram, destruindo uma barricada e matando dez farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas as armadilhas de Caiuá derrubaram cavalos, e flechas guaranis fulminavam tudo pelo campo de batalha. Zé Durvalino e sua trupilha de loucos, na trincheira, cortavam com o facão, o Poncho Verde pingando sangue. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, a lança cravando inimigos. "Pelo Poncho Verde!", gritou, incendiando um canhão com uma tocha, bah!
Osório era implacável. Um esquadrão de dragões flanqueou, e um sabre cortou o braço de Waldemio, rasgando o Poncho Verde. Ele caiu do alazão, mas lutou a pé, o facão na mão. Maria, na trincheira, viu e correu, a faca brilhando, o Poncho Verde dela sujo de terra. "Nós não cai!", gritava, derrubando um caramuru. Anahí, com o porrete/tacape, defendia o hospital, o Poncho Verde como armadura!
Ao meio-dia, Netto liderou uma carga com os lanceiros, e Caiuá fechou o flanco com boleadeiras. Osório recuou, deixando quatro canhões e trezentos homens os feridos foram socorridos e os mortos devidamente sepultados com dignidade. Piratini venceu, mas perdeu sessenta farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado por Maria mais uma entre tantas. "Tchê tu é loco!", disse ela, os olhos molhados. Ele riu, um tanto fraco, o Poncho Verde no chão. "É o jeito gaúcho, bah!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Netto reuniu a tropa. "Piratini vive, e o Poncho Verde não cai, bah!" Zé Durvalino ergueu a cuia. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Um batedor trouxe notícias: Osório se reagrupava, e Mena Barreto vinha do leste com reforços. Piratini, em ruínas, preparava o próximo brado. Waldemio, com uma lança nova, olhou o céu. "O fogo não apaga, bah!", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra rugir.
Capítulo 29: O Rugido da Liberdade
O fim de 1839 trouxe um verão inclemente ao Rio Grande, com o sol torrando as planícies e o Poncho Verde dos farroupilhas tremulando em Piratini, apesar das cicatrizes de um ano de batalhas. A vitória de novembro contra Osório dera à República um sopro de esperança, mas Piratini sangrava: barricadas destruídas, homens reduzidos e mantimentos quase nulos. Waldemio, O Gaudério, passara os meses seguintes em escaramuças e curativos, o lenço de Maria no bolso e o Poncho Verde como estandarte.
Netto, ainda no comando enquanto Bento Gonçalves permanecia preso, reforçava a capital, mas batedores alertavam sobre novos movimentos imperiais. "O Poncho Verde é nosso grito", murmurava Waldemio, enquanto Piratini se preparava sob o calor sufocante de dezembro de 1839, pronta para enfrentar 1840, onde a República lutaria por sua existência bravamente!
O amanhecer de 25 de novembro de 1840 raiou em Piratini com um sol abrasador, secando a terra rachada e iluminando as ruínas da capital da República Rio-Grandense, bah! As casas brancas, agora quase escombros, se mantinham de pé por teimosia gaúcha. Waldemio se encontrava no curral, ajustando a sela do alazão, cujo pelo brilhava de suor. O braço e a perna, cicatrizados mas doloridos, protestavam no calor, mas o Poncho Verde, remendado por Maria, tremulava firme. O lenço dela, no bolso, era sua força. "Piratini é nossa chama, bah!", sussurrou, os olhos no horizonte, onde a poeira dos caramurus de Osório podia surgir.
A guerra se apresentava mais desesperadora em 1840. Bento Gonçalves, ainda preso na Bahia, deixava Netto no comando, mas a República se achava acuada. Osório, com mil e quatrocentos homens e seis canhões, se localizava em Rio Grande, enquanto Mena Barreto, com trezentos soldados, rondava o leste. O Poncho Verde, símbolo da resistência, era um troféu para os caramurus, que juravam queimá-lo em cada batalha, bah! Piratini se situava no fio da navalha, com pólvora contrabandeada e mantimentos reduzidos a carne seca e ervas, mas o espírito farroupilha não se apagava.
No acampamento, a tropa se mantinha firme, apesar da exaustão, bah! Caiuá, com a cicatriz no peito coberta por tintas guaranis, liderava seus homens, que reforçavam armadilhas com estacas e cipós. "Sepé tá no vento, e o mato é nosso", disse, testando uma boleadeira. Zé Durvalino, afiando o facão, riu, o Poncho Verde amarrado na cintura. "Meu ferro tá com sede, guarani!" Juca, agora um atirador experiente, carregava cartuchos, resmungando: "Sede é tua, barba! Carrega algo além de lorota!" O riso era débil, mas aquecia, pois o perigo dos caramurus se aproximava, bah!
Maria e Dona Anahí se localizavam na choupana-hospital, onde o cheiro de guaco lutava contra o de feridas. Sem milho, o caldo era só ervas amargas, mas Anahí, com o terço na mão e o Poncho Verde nos ombros, mantinha a tropa viva. "Nós não cai por fome!", disse, o porrete encostado. Maria, cortando pano pra ataduras, respondeu: "Se os caramurus quiserem Piratini, vão engolir fogo!" As mulheres, com Ponchos Verdes como mantos, protegiam o hospital e afiavam lâminas, prontas pra brigar pelo Rio Grande!
Netto reuniu os líderes ao meio-dia, no galpão-quartel, que se sustentava por pura vontade. Manoel, Waldemio, Caiuá e Zé Durvalino se apresentavam lá, com lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, quase desintegrado, mostrava Piratini cercada. "Osório vem do sul", disse Netto, a voz rouca. "Mil e quatrocentos homens, seis canhões, e Mena Barreto tá no leste. Piratini é nosso último reduto.
Se nós perder, a República vira cinza." Manoel, a lança erguida, disse: "Meus lanceiros tão prontos. Os caramurus não passa!" Waldemio, o facão na cintura, completou: "A cavalaria usa os morros. Nós desce e quebra os canhões." Caiuá acenou com um sim: "Meus guaranis tão no mato. As flechas vão morder primeiro, bah!" Netto olhou cada um, os olhos em chamas. "Pelo Poncho Verde, pela República! Até o último farrapo (termo usado pelo péssimo estado dos uniformes)!"
A manhã se ajustava em preparativos frenéticos. Waldemio, no alazão, verificava a cavalaria, o Poncho Verde encharcado de suor. Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate ralo. "Tchê tá com cara de quem vai galopar pro inferno, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela manchado de terra. Ele riu, pegando a cuia. "O inferno é o Osório, mana. Mas eu volto, bah!" Ela enfiou um emplastro no poncho dele. "Tchê volta, ou eu te busco, Poncho Verde e tudo!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Essa guria é mais braba que Netto, bah! Cuida dela, Waldemio." sempre, o lenço de Maria quente no peito.
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num riacho seco. "O vento tá quente", disse, apontando o sul. "Osório tá a um dia, mas o mato é nosso" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que ele vai tentar de noite?" Caiuá confirmou: "Quer nós desprevenido. Meus guaranis tão nas trilhas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé."
A noite se situava com calor abafado, as fogueiras tímidas. Zé Durvalino contava causos, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei dezesseis caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Dezesseis? Tchê mal cortou um, e tava bêbado!" A gargalhada aqueceu a tropa, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá pensando no quê,?" perguntou. Ele olhou as chamas. "No Poncho Verde, na República, em Piratini que nós e defendemos, bah! Mas também em mamãe, e em Caçapava que tá no coração." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Luta, tchê, mas vive."
O amanhecer de 26 de novembro trouxe o alarme. Batedores gritaram: "Caramurus no sul!" Osório atacava com mil e quatrocentos homens e seis canhões. Netto deu a ordem: "Trincheiras! Cavalaria pros morros! Guaranis pro mato!" Waldemio, no alazão, liderou a cavalaria, o Poncho Verde brilhando ao sol. Caiuá sumiu com seus guaranis, e Manoel alinhou os lanceiros, os Ponchos Verdes como uma muralha de guerreiros que peleiam por um ideal!
A batalha explodiu às dez da manhã. Os canhões de Osório rugiram, destruindo uma barricada e matando onze farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas as armadilhas de Caiuá funcionavam e derrubaram cavalos, e flechas guaranis acertam os alvos inimigos. Zé Durvalino, na trincheira, cortava com o facão, o Poncho Verde pingando sangue junto a seu pelotão maleva. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, as lanças em riste contra os inimigos. "Pelo Poncho Verde!", gritou, pelo Rio Grande por nossa nação!
Osório era feroz. Um esquadrão de dragões flanqueou, e um sabre cortou o ombro de Waldemio, rasgando o Poncho Verde. Ele caiu do alazão, mas lutou a pé, o facão na mão. "Nós não caímos!", gritava, derrubando um caramuru. Maria, Anahí, e todas a mulheres com o porrete, defendiam o hospital, o Poncho Verde como armadura!
A batalha ao meio-dia, Netto liderou uma carga com os lanceiros, e Caiuá fechou o flanco com boleadeiras. Osório recuou, deixando três canhões e duzentos homens. Piratini venceu, mas perdeu cinquenta farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado por Maria mais um de tatos curativos. "Tchê é louco!", disse ela, os olhos lacrimosos. Ele riu, fraquejado, o Poncho Verde no chão. "É o jeito gaúcho, bah!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Netto reuniu a tropa. "Bah! Piratini vive, e o Poncho Verde não cai," Zé Durvalino ergueu a cuia. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Então um batedor trouxe notícias de que Osório se reagrupava, e Mena Barreto vinha do leste com reforços. Piratini, em ruínas, preparava o próximo brado. Waldemio, com uma lança nova, olhou o céu. "O fogo não apaga, bah!", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, outra vez, pronto pra trovejar.
Capítulo 30: O Vento da Resistência
O fim de 1840 trouxe um verão opressivo ao Rio Grande, com o calor rachando a terra e o Poncho Verde dos farroupilhas tremulando em Piratini, apesar das perdas de um ano de batalhas ferozes. A vitória de novembro contra Osório dera à República um alívio fugaz, mas Piratini estava em frangalhos: barricadas reduzidas a pó, homens esgotados e mantimentos quase inexistentes.
Waldemio, O Gaudério, passara os meses seguintes em emboscadas e curativos, o lenço de Maria no bolso e o Poncho Verde como símbolo de luta. Netto, liderando na ausência de Bento Gonçalves, fortalecia a capital, mas batedores traziam notícias sombrias de novos avanços imperiais. "O Poncho Verde é nossa vida", murmurava Waldemio, enquanto Piratini se preparava sob o sol escaldante de dezembro de 1840, pronta para enfrentar 1841, onde a República lutaria contra o cerco final!
O amanhecer de 26 de novembro de 1841 raiou em Piratini com um sol ardente, queimando a terra seca e iluminando as ruínas da capital da República Rio-Grandense, bah! As casas, outrora brancas, agora eram escombros cinzentos, sustentadas pela determinação gaúcha. Waldemio se encontrava no curral, ajustando a sela do alazão, cujo pelo reluzia de suor. O ombro e o braço, cobertos de cicatrizes, doíam no calor, mas o Poncho Verde, remendado por Maria, tremulava firme. O lenço dela, no bolso, era sua força. "Piratini é nosso último brado", sussurrou, os olhos no horizonte, onde a poeira dos caramurus de Osório podia surgir sem aviso.
A guerra se apresentava mais cruel em 1841. Bento Gonçalves, ainda preso na Bahia, General Netto no comando, mas a República se achava encurralada. Osório, com mil e trezentos homens e cinco canhões, se localizava em Rio Grande, enquanto Mena Barreto, com duzentos e cinquenta soldados, rondava o leste em Santo Antonio da Patrulha. O Poncho Verde, símbolo da resistência, era um desafio aos caramurus, que prometiam queimá-lo em cada batalha. Piratini se situava no limite, com pólvora contrabandeada do Uruguai com apoio de Artigas, o trigo vindo da Argentina e mantimentos reduzidos a carne seca e ervas, mas a chama farroupilha não se extinguia.
No acampamento, a tropa se mantinha resiliente, apesar da exaustão, bah! Caiuá, com a cicatriz no peito coberta por tintas guaranis, liderava seus homens, que reforçavam armadilhas com estacas e cipós. "Sepé tá no vento, e o mato é nosso", disse, testando uma boleadeira. Zé Durvalino, afiando o facão, riu, o Poncho Verde amarrado na cintura. "Meu ferro tá com sede, guarani!" Juca, agora um atirador experiente, carregava cartuchos, resmungando: "Sede é tua, barba! Carrega algo além de lorota!" O riso era fraco, mas aquecia, pois o perigo dos caramurus se aproximava!
Maria e Dona Anahí se localizavam na choupana-hospital, onde o cheiro de guaco lutava contra o de feridas. Sem milho, o caldo era só ervas amargas, mas Anahí, com o terço na mão e o Poncho Verde nos ombros, mantinha a tropa viva. "Nós não cai por fome!", disse, o tacape encostado. Maria, cortando pano pra ataduras, respondeu: "Se os caramurus quiserem Piratini, vão engolir faca e ferro!" As mulheres, com Ponchos Verdes como mantos, protegiam o hospital e afiavam lâminas, prontas pra guerrear se preciso for!
Netto reuniu os líderes ao meio-dia, no galpão-quartel, que se sustentava por teimosia. Manoel, Waldemio, Caiuá e Zé Durvalino se apresentavam lá, com lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, quase pó, mostrava Piratini cercada. "Osório vem do sul", disse Netto, a voz rouca. "Mil e trezentos homens, cinco canhões, e Mena Barreto tá no leste. Piratini é nosso último reduto.
A manhã se ajustava em preparativos frenéticos. Waldemio, no alazão, verificava a cavalaria, o Poncho Verde encharcado de suor. Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate ralo. "Tchê tá com cara de quem vai galopar pro inferno, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela manchado de terra. Ele riu, pegando a cuia. "O inferno é o Osório. Mas eu volto, bah!" Ela deu-lhe curativo emplastro ele colocou no bolço poncho. "Tchê volta, ou eu te busco, Poncho Verde e tudo!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Essa guria é mais braba que Netto, bah!
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num riacho seco. "O vento tá quente", disse, apontando o sul. "Osório tá a um dia e pouco daqui, mas o mato é nosso, bah!" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que ele vai tentar de noite?" Caiuá confirmou: "Quer nós desprevenido. Meus guaranis tão nas trilhas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé pela República."
A noite se situava com calor abafado, as fogueiras tímidas. Zé Durvalino contava causos, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei dezessete caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Dezessete? Tchê mal cortou um, e tava tropeçando de borrachu!" A gargalhada aqueceu a tropa, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá pensando no quê aí?", perguntou. Ele olhou as chamas. "No Poncho Verde, na República, em Piratini que nós, em defendermos, bah! Mas também em mamãe, e em Caçapava que tá no coração." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Luta, tchê, mas vive."
O amanhecer de 27 de novembro trouxe o alarme. Batedores gritaram: "Caramurus no sul!" Osório atacava com mil e trezentos homens e cinco canhões. Netto deu a ordem: "Trincheiras! Cavalaria pros morros! Guaranis pro mato!" Waldemio, no alazão, liderou a cavalaria, o Poncho Verde brilhando ao sol. Caiuá sumiu com seus guaranis, e Manoel alinhou os lanceiros, os Ponchos Verdes como uma muralha, bah!
A batalha explodiu às dez da manhã. Os canhões de Osório rugiram, destruindo uma barricada e matando dez farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas as armadilhas de Caiuá – cipós e estacas – derrubaram cavalos, e flechas guaranis cegaram oficiais. Zé Durvalino, na trincheira, cortava com o facão, o Poncho Verde pingando sangue. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, a lança cravando um dragão. "Pelo Poncho Verde!", gritou, incendiando um canhão com uma tocha, bah!
Osório era implacável. Um esquadrão de dragões flanqueou, e um sabre cortou o peito de Waldemio, rasgando o Poncho Verde. Ele caiu do alazão, mas lutou a pé, o facão na mão. Maria, na trincheira, viu e correu, a faca brilhando, o Poncho Verde dela sujo de terra. "Nós não cai!", gritava, derrubando um caramuru. Anahí, com o porrete, defendia o hospital, o Poncho Verde como armadura, bah!
Ao meio-dia, Netto liderou uma carga com os lanceiros, e Caiuá fechou o flanco com boleadeiras. Osório recuou, deixando dois canhões e duzentos homens. Piratini venceu, mas perdeu quarenta farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado por Maria. "Tchê é louco!", disse ela, os olhos molhados. Ele riu, cansado, o Poncho Verde no chão. "É o jeito gaúcho, bah!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Netto reuniu a tropa. "Piratini vive, e o Poncho Verde não cai, bah!" Zé Durvalino ergueu a cuia. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Um batedor trouxe notícias: Osório se reagrupava, e Mena Barreto vinha do leste com reforços. Piratini, em ruínas, preparava o próximo brado. Waldemio, com uma lança nova, olhou o céu. "O fogo não apaga, bah!", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra rugir.
Capítulo 31: A Barricada
O fim de 1841 trouxe um outono frio ao Rio Grande, com ventos que cortavam as planícies e o Poncho Verde dos farroupilhas tremulando em Piratini, apesar das cicatrizes de um ano de batalhas implacáveis. A vitória de novembro contra Osório dera à República um alívio momentâneo, mas Piratini estava em pedaços: barricadas reduzidas a escombros, homens exauridos e mantimentos praticamente inexistentes. Waldemio, O Gaudério, passara os meses seguintes em emboscadas e curativos, o lenço de Maria no bolso e o Poncho Verde como estandarte.
Netto, liderando na ausência de Bento Gonçalves, fortalecia a capital, mas batedores traziam notícias sombrias de novos avanços imperiais. "O Poncho Verde é nosso sangue", murmurava Waldemio, enquanto Piratini se preparava sob o céu nublado de março de 1842, pronta para enfrentar 1842, onde a República lutaria por sua sobrevivência, bah!
O amanhecer de 27 de novembro de 1842 raiou em Piratini com um sol pálido, mal aquecendo a terra úmida e iluminando as ruínas da capital da República Rio-Grandense! As casas, outrora brancas, agora eram destroços cinzentos, sustentadas pela teimosia gaúcha. Waldemio se encontrava no curral, ajustando a sela do alazão, cujo pelo estava embaçado pelo orvalho. O peito e o ombro, cobertos de cicatrizes, doíam no frio, mas o Poncho Verde, remendado por Maria, tremulava firme. O lenço dela, no bolso, era sua força. "Piratini é nosso último grito", sussurrou, os olhos no horizonte, onde a poeira dos caramurus de Osório podia surgir.
A guerra se apresentava mais desesperadora em 1842. Bento Gonçalves, ainda preso na Bahia, deixava Netto no comando, mas a República se achava acuada. Osório, com mil e duzentos homens e quatro canhões, se localizava em Rio Grande, enquanto Mena Barreto, com duzentos soldados, rondava o leste. O Poncho Verde, símbolo da resistência, era um troféu para os caramurus, que juravam queimá-lo em cada batalha, bah! Piratini se situava no limite, com pólvora contrabandeada e mantimentos reduzidos a carne seca e ervas, mas a chama farroupilha não se apagava.
No acampamento, a tropa se mantinha resiliente, apesar da exaustão, bah! Caiuá, com a cicatriz no peito coberta por tintas guaranis, liderava seus homens, que reforçavam armadilhas com estacas e cipós. "Sepé tá no vento, e o mato é nosso", disse, testando uma boleadeira. Zé Durvalino, afiando o facão, riu, o Poncho Verde amarrado na cintura. "Meu ferro tá com sede, guarani!" Juca, agora um atirador experiente, carregava cartuchos, resmungando: "Sede é tua, barba! Carrega algo além de lorota!" O riso era fraco, mas aquecia, pois o perigo dos caramurus se aproximava, bah!
Maria e Dona Anahí se localizavam na choupana-hospital, onde o cheiro de guaco lutava contra o de feridas. Sem milho, o caldo era só ervas amargas, mas Anahí, com o terço na mão e o Poncho Verde nos ombros, mantinha a tropa viva. "Nós não cai por fome!", disse, o porrete encostado. Maria, cortando pano pra ataduras, respondeu: "Se os caramurus quiserem Piratini, vão engolir faca!" As mulheres, com Ponchos Verdes como mantos, protegiam o hospital e afiavam lâminas, prontas pra lutar, bah!
Netto reuniu os líderes ao amanhecer, no galpão-quartel, que se sustentava por pura vontade. Waldemio, Fidencio, Manuel, Caiuá, Juca e Zé Durvalino se apresentavam lá, com lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, quase pó, mostrava Piratini cercada. "Osório vem do sul das bandas de de Pelotas", disse Netto, trás "Mil e duzentos homens, quatro canhões, e Mena Barreto tá no nordeste nas bandas de Vacaria. Piratini é nosso último reduto.
A manhã se ajustava em preparativos frenéticos. Waldemio, no alazão, verificava a cavalaria, o Poncho Verde úmido pelo orvalho. Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate ralo. "Tchê tá com cara de quem vai galopar pro inferno, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela manchado de terra. Ele riu, pegando a cuia. "O inferno é o Imperio. Mas eu volto, bah!" Ela deu-lhe um emplastro que ele guardou no poncho. "Tchê volta, ou eu te busco, com Poncho Verde e tudo!"
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num riacho seco. "O vento tá frio", disse, apontando o sul. "Osório tá a um dia daqui, mas o mato é nosso!" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que ele vai tentar de noite?" Caiuá confirmou: "Quer nós desprevenido. Meus guaranis tão nas trilhas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé pela República."
A noite se situava com um frio cortante, as fogueiras tímidas. Zé Durvalino contava seus causos exagerados, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei dezoito caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Dezoito? Tchê mal cortou a barriga dum, e tava tropeçando de bebum!" A gargalhada aqueceu a plateia a beira da fogueira, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê que tá pensando", perguntou. Ele olhou as chamas alaranjadas. "No Poncho Verde, na República, em Piratini que nós defende. Mas pensou também na mãe, e em Caçapava que tá no coração." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Luta, tchê, mas vive."
O amanhecer de 28 de novembro trouxe o alarme. Batedores gritaram: "Caramurus no sul!" Osório atacava com mil e duzentos homens e quatro canhões. Netto deu a ordem: "Trincheiras! Cavalaria pros morros! Guaranis pro mato!" Waldemio, no alazão, liderou a cavalaria, o Poncho Verde brilhando ao sol pálido. Caiuá sumiu com seus guaranis, e Manoel alinhou os lanceiros, os Ponchos Verdes como uma muralha, bah!
A batalha explodiu às dez da manhã. Os canhões de Osório rugiram, destruindo uma barricada e matando nove farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas as armadilhas de Caiuá troncos, cipós e estacas, derrubaram cavalos, e flechas guaranis cegaram oficiais. Zé Durvalino, na trincheira, cortava com o facão, o Poncho Verde pingando sangue. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, a lança cravando um dragão. "Pelo Poncho Verde!", gritou, incendiando um canhão com uma tocha, bah!
Osório era implacável. Um esquadrão de dragões flanqueou, e um sabre cortou o braço de Waldemio, rasgando o Poncho Verde. Ele caiu do alazão, mas lutou a pé, o facão na mão. Maria, na trincheira, viu e correu, a faca brilhando, o Poncho Verde dela sujo de terra. "Nós não cai!", gritava, derrubando um caramuru. Anahí, com o tacape indio, defendia o hospital, o Poncho Verde como armadura!
Ao meio-dia, Netto liderou uma carga com os lanceiros, e Caiuá fechou o flanco com boleadeiras. Osório recuou, deixando dois canhões e cento e cinquenta e sete homens. Piratini venceu, mas perdeu trinta e quatro farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado mais uma vez entre tantas por Maria. "bah, Tchê é loco, já era um refrão!", disse ela, os olhos avermelhados para conter as lagrimas. Ele riu, sem muita força, o Poncho Verde no chão. "É o jeito gaúcho, bah guria!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Netto reuniu a tropa. "Piratini vive, e o Poncho Verde não cai, bah!" Zé Durvalino ergueu a cuia. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Um batedor trouxe notícias: Osório se reagrupava, e Mena Barreto vinha do leste com reforços. Piratini, em ruínas, preparava o próximo brado. Waldemio, com uma lança nova, olhou o céu. "O fogo não apaga, bah!", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra rugir.
Capítulo 32: O Gelo da Resistência
O meio de 1842 trouxe um inverno rigoroso ao Rio Grande, com geadas cobrindo as planícies e o Poncho Verde dos farroupilhas tremulando em Piratini, apesar das perdas de um ano de batalhas incansáveis. A vitória de novembro contra Osório dera à República um alívio frágil, mas Piratini estava em ruínas: barricadas desmoronadas, homens esgotados e mantimentos reduzidos a quase nada.
Waldemio, O Gaudério, passara os meses seguintes em emboscadas e curativos, o lenço de Maria no bolso e o Poncho Verde como bandeira. Netto, liderando na ausência de Bento Gonçalves, fortalecia a capital, mas batedores alertavam sobre novos movimentos imperiais. "O Poncho Verde é nossa alma", murmurava Waldemio, enquanto Piratini se preparava sob o frio cortante de junho de 1843, pronta para enfrentar 1843, onde a República lutaria contra o cerco implacável!
O amanhecer de 28 de novembro de 1843 raiou em Piratini com um sol fraco, mal aquecendo a terra gelada e iluminando as ruínas da capital da República Rio-Grandense, bah! As casas, outrora brancas, agora eram escombros cinzentos, sustentadas pela teimosia gaúcha. Waldemio se encontrava no curral, ajustando a sela do alazão, cujo pelo estava coberto de orvalho congelado. O ombro e o braço, cobertos de cicatrizes, doíam no frio, mas o Poncho Verde, remendado por Maria, tremulava firme. O lenço dela, no bolso, era sua força. "Piratini é nosso último brado, bah!", sussurrou, os olhos no horizonte, onde a poeira dos caramurus de Osório podia surgir.
A guerra se apresentava mais cruel em 1843. Bento Gonçalves, ainda preso na Bahia, ainda com General Netto no comando, mas a República se achava encurralada. Osório, com mil e cem homens e três canhões, se localizava em Rio Grande, enquanto Mena Barreto, com cento e cinquenta soldados, agrafava no leste. O Poncho Verde, símbolo da resistência, era um troféu para os caramurus, que juravam queimá-lo em cada batalha, bah! Piratini se situava no limite, com pólvora contrabandeada e mantimentos reduzidos a carne seca e ervas, mas a chama farroupilha não se apagava no coração mfarroupilha.
No acampamento, a tropa se mantinha resiliente, apesar da exaustão! Caiuá, com a cicatriz no peito coberta por tintas guaranis, liderava seus homens, que reforçavam armadilhas com estacas e cipós. "Sepé tá no vento, e o mato é nosso", disse, testando uma boleadeira. Zé Durvalino, afiando o facão, riu, o Poncho Verde amarrado na cintura. "Meu ferro tá com sede, guarani!" Juca, agora um atirador experiente, carregava cartuchos, resmungando: "Sede é tua, barba! Carrega algo além de lorota!" O riso era fraco, mas aquecia, pois o perigo dos caramurus se aproximava a tropa estava descansando nos catres com pelegos no acampamento.
Maria e Dona Anahí se localizavam na choupana-hospital, onde o cheiro de guaco lutava contra o de feridas. Sem milho, o caldo era só ervas amargas, mas Anahí, com o terço na mão e o Poncho Verde nos ombros, mantinha a tropa viva. "Nós não cai por fome!", disse, o porrete encostado. Maria, cortando pano pra ataduras, respondeu: "Se os caramurus quiserem Piratini, vão engolir faca repetia!" As mulheres, com Ponchos Verdes como mantos, protegiam o hospital e afiavam lâminas, prontas pra uma boa peleia
Netto reuniu os líderes pela manhã, no galpão-quartel, que se sustentava por pura vontade. Manoel, Waldemio, Fidencio Caiuá e Zé Durvalino se apresentavam lá, com lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, quase pó, mostrava Piratini cercada. "Osório vem do sul", disse Netto, a voz rouca. "Mil e cem homens, três canhões, e Mena Barreto tá no leste. Piratini é nosso último reduto. Se nós perder, a República vira cinza." Manoel, a lança erguida, disse: "Meus lanceiros tão prontos. Os caramurus não passa!" Waldemio, o facão na cintura, completou: "A cavalaria usa os morros. Nós desce e quebra os canhões." Caiuá assentiu: "Meus guaranis tão no mato. As flechas vão morder primeiro, bah!" Netto olhou cada um, os olhos em chamas. "Pelo Poncho Verde, pela República! Até o último gaúcho!"
A manhã se ajustava em preparativos frenéticos. Waldemio, no alazão, verificava a cavalaria, o Poncho Verde úmido pelo orvalho gelado. Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate ralo. "Tchê tá com cara de quem vai galopar pro inferno, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela manchado de terra. Ele riu, pegando a cuia. "O inferno é o Imperio, mana. Mas eu volto, bah!" Ela enfiou um emplastro no poncho dele. "Tchê volta, ou eu te busco, Poncho Verde e tudo!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Essa guria é mais braba, bah!
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num riacho congelado. "O vento tá gelado", disse, apontando o sul. "Osório tá a um dia, mas o mato é nosso, bah!" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que ele vai tentar de noite?" Caiuá confirmou: "Quer nós desprevenido. Meus guaranis tão nas trilhas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé."
A noite se situava com um frio cortante, as fogueiras tímidas. Zé Durvalino contava causos, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei dezenove caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Dezenove? Tchê mal cortou um, e tava tropeçando!" A gargalhada aqueceu a tropa, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá pensando quê?", perguntou. Ele olhou as chamas. "No Poncho Verde, na República, em Piratini que nós defende! Mas também em ti, na mamãe bo Vô, e em Caçapava que tá no coração." Ela sorriu, tocando a mão dele. "Luta, tchê, mas vive."
O amanhecer de 29 de novembro trouxe o alarme. Batedores gritaram: "Caramurus no sul!" Osório atacava com mil e cem homens e três canhões. Netto deu a ordem: "Trincheiras! Cavalaria pros morros! Guaranis pro mato!" Waldemio, no alazão, liderou a cavalaria, o Poncho Verde brilhando ao sol fraco. Caiuá sumiu com seus guaranis, e Manoel alinhou os lanceiros, os Ponchos Verdes como uma muralha, bah!
A batalha explodiu às dez da manhã. Os canhões de Osório rugiram, destruindo uma barricada e matando oito farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas as armadilhas de Caiuá, cipós e estacas derrubaram cavalos, e flechas guaranis cegaram oficiais. Zé Durvalino, na trincheira, cortava com o facão, o Poncho Verde pingando sangue. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, a lança cravando um dragão. "Pelo Poncho Verde!", gritou, incendiando um canhão com uma tocha, bah!
Ao meio-dia, Netto liderou uma carga com os lanceiros, e Caiuá fechou o flanco com boleadeiras. Osório recuou, deixando um canhão e cem homens. Piratini venceu, mas perdeu vinte e cinco farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado por Maria entre tantas oportunidades. "Mas, Tchê é louco o surrado mantra", disse ela, os olhos molhados. Ele riu, palido, o Poncho Verde no chão. "É o jeito gaúcho, bah!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Netto reuniu a tropa. "Piratini vive, e o Poncho Verde não cai, bah!" Zé Durvalino ergueu a cuia. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Um batedor trouxe notícias: Osório se reagrupava, e Mena Barreto vinha do leste com reforços. Piratini, em ruínas, preparava o próximo brado. Waldemio, com uma lança nova, olhou o céu. "O fogo não apaga, bah!", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra mais uma peleia.
Capítulo 33: O Frio da Última Lança
Em meio à 1843 trouxe um inverno implacável ao Rio Grande, com geadas que embranqueciam as planícies e o Poncho Verde dos farroupilhas tremulando em Piratini, apesar das cicatrizes de um ano de batalhas exaustivas. A vitória de novembro contra Osório dera à República um alívio temporário, mas Piratini estava em frangalhos: trincheiras reduzidas a escombros, homens dizimados e mantimentos quase inexistentes.
Waldemio, O Gaudério, passara os meses seguintes em emboscadas e curativos, o lenço de Maria no bolso e o Poncho Verde como símbolo de resistência. Netto, liderando na ausência de Bento Gonçalves, fortalecia a capital, mas batedores alertavam sobre novos avanços imperiais. "O Poncho Verde é nosso coração", murmurava Waldemio, enquanto Piratini se preparava sob o frio cortante de junho de 1844, pronta para enfrentar 1844, onde a República lutaria por sua existência, bah!
O amanhecer de 29 de novembro de 1844 raiou em Piratini com um sol débil, mal aquecendo a terra congelada e iluminando as ruínas da capital da República Rio-Grandense, bah! As casas, outrora brancas, agora eram destroços cinzentos, sustentadas pela teimosia gaúcha. Waldemio se encontrava no curral, ajustando a sela do alazão, cujo pelo estava coberto de gelo fino. O peito e o ombro, cobertos de cicatrizes, doíam no frio, mas o Poncho Verde, remendado por Maria, tremulava firme. O lenço dela, no bolso, era sua força. "Piratini é nosso último rugido, bah!", sussurrou, os olhos no horizonte, onde a poeira dos caramurus de Osório podia surgir.
A guerra se apresentava mais desesperadora em 1844. Bento Gonçalves, ainda preso na Bahia, deixava Netto no comando, mas a República se achava acuada. Osório, com mil homens e dois canhões, se localizava em Rio Grande, enquanto Mena Barreto, com cem soldados, rondava o leste. O Poncho Verde, símbolo da resistência, era um troféu para os caramurus, que juravam queimá-lo em cada batalha, bah! Piratini se situava no limite, com pólvora contrabandeada e mantimentos reduzidos a carne seca e ervas, mas a chama farroupilha não se extinguia.
No acampamento, a tropa se mantinha resiliente, apesar da exaustão, bah! Caiuá, com a cicatriz no peito coberta por tintas guaranis, liderava seus homens, que reforçavam armadilhas com estacas e cipós. "Sepé tá no vento, e o mato é nosso", disse, testando uma boleadeira. Zé Durvalino, afiando o facão, riu, o Poncho Verde amarrado na cintura. "Meu ferro tá com sede, guarani!" Juca, agora um atirador experiente, carregava cartuchos, resmungando: "Sede é tua, barba! Carrega algo além de lorota!" O riso era sem entusiasmo, mas aquecia um pouco mais os aminos, pois o perigo dos caramurus se aproximava cada vez mais!
Netto reuniu os líderes pela manhã, no galpão-quartel, que se sustentava por pura vontade. Manoel, Waldemio, Caiuá, Zé Durvalino, Fidecio e Juca se apresentavam lá, com lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, quase pó, mostrava Piratini cercada. Fidencio, a lança erguida, disse: "Meus lanceiros tão prontos. Os caramurus não passam!" Waldemio, o facão na cintura, completou: "A cavalaria usa as colinhas da pampa. Nós descemos e quebramos os canhões." Caiuá coimnetou: "Meus guaranis tão no mato. As flechas vão morder primeiro!" Netto olhou cada um, os olhos de admiração. "Pelo Poncho Verde, pela República! Até o último combatente!"
A manhã se ajustava em preparativos frenéticos. Waldemio, no alazão, verificava a cavalaria, o Poncho Verde úmido pelo gelo. Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate ralo. "Tchê tá com cara de quem vai galopar pro inferno, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela manchado de terra. Ele riu, pegando a cuia. "O inferno é o Imperio repetiu. porém eu volto, bah!" ela deu-le alguns curativos, ele os guardou. "Tchê volta, ou eu te busco, Poncho Verde e tudo!"
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num riacho congelado. "O vento tá gelado", disse, apontando o sul. "Osório tá a um dia, mas o mato é nosso, bah!" Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que ele vai tentar de noite?" Caiuá confirmou: "Quer nós desprevenido. Meus guaranis tão nas trilhas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós segura, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé."
A noite se situava com um frio cortante, as fogueiras tímidas. Zé Durvalino contava causos, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei vinte caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Vinte? Tchê mal cortou um, e tava tropeçando!" A gargalhada aqueceu a tropa, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá cageuando om pensar no quê?" perguntou. Ele olhou as chamas. "No Poncho Verde, na República, em Piratini que nós defendemos, em Caçapava que tá no coração." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Luta, tchê, mas vive."
O amanhecer de 30 de novembro trouxe o alarme. Batedores gritaram: "Caramurus no sul!" Osório atacava com mil homens e dois canhões. Netto deu a ordem: "Trincheiras com Zé me seu bando! Cavalaria pras colinas! Guaranis pro mato!" Waldemio, no alazão, liderou a cavalaria, o Poncho Verde brilhando ao sol fraco. Caiuá sumiu com seus guaranis, Fidencio e Manoel alinhou os lanceiros, os Ponchos Verdes como um muro de lanças afiadas!
A batalha explodiu às dez da manhã. Os canhões de Osório rugiram, destruindo a barricada e matando sete farroupilhas. A infantaria caramuru avançou, mas as armadilhas de Caiuá, cipós e estacas derrubaram cavalos, e flechas guaranis acertaram oficiais e parte da tropa inimiga. Zé Durvalino, e seu batalhão de malevas na trincheira, cortava com o facão, o Poncho Verde pingando sangue. "Vem, caramurus!" Waldemio, do morro, desceu com a cavalaria, ass lança cravando os dragões. "Pelo Poncho Verde pela República!"
No meio da tarde, Netto liderou uma carga com os lanceiros, e Caiuá fechou os lados com boleadeiras. Osório recuou, deixando um canhão e oitenta homens mortos e enterrados os feridos socorridos. Piratini venceu, mas perdeu vinte farroupilhas. Waldemio, sangrando, foi enfaixado por Maria. "Tchê é louco!", disse ela, com os olhos cheio d'água. Ele riu, fraco, o Poncho Verde no chão. "É o jeito gaúcho, bah, sentenciou!"
Naquela noite, junto às fogueiras, Netto reuniu a tropa. "Piratini vive, e o Poncho Verde não cai, bah!" Zé Durvalino ergueu a cuia. "Pela gauchada!" Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pelo Poncho Verde, pela República!" Um batedor trouxe notícias: Osório se reagrupava, e Mena Barreto vinha do leste com reforços. Piratini, em ruínas, preparava o próximo brado. Waldemio, com uma lança nova, olhou o céu. "O fogo não apaga, bah!", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra rugir.
Capítulo 34: A Primavera da Paz
O ano de 1844 trouxe um inverno cruel ao Rio Grande, com geadas que endureciam o chão e o Poncho Verde dos farroupilhas tremulando em Piratini, apesar das perdas de um ano de batalhas esgotantes. A vitória de novembro contra Osório dera à República um alívio precário, mas Piratini estava em ruínas: trincheiras destruídas, homens reduzidos e mantimentos praticamente inexistentes. Waldemio, O Gaudério, passara os meses seguintes em emboscadas e curativos, o lenço de Maria no bolso e o Poncho Verde como símbolo de resistência.
Netto, liderando na ausência de Bento Gonçalves, fortalecia a capital, mas batedores traziam notícias de uma nova ameaça imperial: o Duque de Caxias, enviado para esmagar a revolta. "O Poncho Verde é nossa alma", murmurava Waldemio, enquanto Piratini se preparava sob o frio de junho de 1845, pronta para enfrentar onde a República encararia seu destino final!
O amanhecer de 30 de novembro de 1845 raiou em Piratini com um sol suave de primavera, aquecendo a terra úmida e iluminando as ruínas da capital da República Rio-Grandense, bah! As casas, outrora brancas, agora eram escombros cinzentos, sustentadas pela teimosia gaúcha. Waldemio se encontrava no curral, ajustando a sela do alazão, cujo pelo brilhava com o orvalho da manhã. O peito e o braço, cobertos de cicatrizes, doíam menos no clima ameno, e o Poncho Verde, remendado por Maria, tremulava firme. O lenço dela, no bolso, era sua força. "Piratini é nosso último sonho, bah!", sussurrou, os olhos no horizonte, onde a poeira do exército do Duque de Caxias podia surgir.
A guerra se apresentava em seu ocaso em 1845. Bento Gonçalves, libertado da prisão em 1843, retornara ao Rio Grande, mas a República se achava exaurida após uma década de luta. O Duque de Caxias, nomeado comandante imperial, chegara com quatro mil e quinhentos homens, quarenta canhões e uma missão: acabar com a revolta farroupilha, seja pela força, seja pela negociação.
Osório e Mena Barreto, agora sob ordens de Caxias, se localizavam em Rio Grande e no leste em Viamão, mas rumores de paz começavam a circular. O Poncho Verde, símbolo da resistência, era respeitado até pelos caramurus, que, sob Caxias, ofereciam anistia em troca da rendição, bah! Piratini se situava no limiar, com pólvora escassa e mantimentos reduzidos a carne seca e ervas, mas a chama farroupilha ainda ardia, mesmo diante da possibilidade de paz.
No acampamento, a tropa se mantinha dividida entre a luta e a esperança de paz, bah! Caiuá, com a cicatriz no peito coberta por tintas guaranis, liderava seus homens, que reforçavam armadilhas com troncos, estacas e cipós, embora com menos urgência. "Sepé tá no vento, mas o vento fala de paz", disse, testando uma boleadeira. Zé Durvalino, afiando o facão, riu, o Poncho Verde amarrado na cintura. "Paz? Meu ferro ainda tá com sede, guarani!" Juca, agora um atirador experiente, carregava cartuchos, resmungando: "Sede é tua, barba! Carrega algo além de lorota!" O riso era leve, mas a incerteza pesava, pois o exército de Caxias se aproximava, bah!
Maria e Dona Anahí se localizavam na choupana-hospital, onde o cheiro de guaco lutava contra o de feridas. Sem milho, o caldo era só ervas, mas Anahí, com o terço na mão e o Poncho Verde nos ombros, mantinha a tropa viva. "Nós não cai, mas paz também é luta!", disse, o porrete encostado. Maria, cortando pano pra ataduras, respondeu: "Se Caxias quer paz, que venha com honra, ou vai engolir faca!" As mulheres, com Ponchos Verdes como mantos, protegiam o hospital e afiavam lâminas, prontas pra lutar ou negociar, bah!
Bento Gonçalves, de volta ao comando, reuniu os líderes ao meio-dia, no galpão-quartel, que mal se sustentava. Netto, Manoel, Waldemio, Caiuá e Zé Durvalino se apresentavam lá, com lanceiros e voluntários, todos sob o Poncho Verde. O mapa, reduzido a farrapos, mostrava Piratini cercada, mas Bento falava de paz. "Caxias oferece anistia", disse, a voz grave. "Mil e quinhentos homens, quatro canhões, mas ele quer negociar. A República tá viva, mas dez anos de guerra nos custaram tudo. Se nós lutar, talvez venha mais sangue; se negociar, o Poncho Verde vive na honra."
Netto, o Poncho Verde esfarrapado, falou: "Nós segurou Piratini por uma década, bah! Paz com honra é vitória." Manoel, a lança firme, disse: "Meus lanceiros tão prontos, mas se a paz salvar o Rio Grande, eu baixo a lança." Waldemio, o facão na cintura, completou: "Nós lutou pelo Poncho Verde. Se Caxias respeitar nossa luta, eu aperto a mão dele, bah!" Caiuá assentiu: "Meus guaranis tão no mato, mas Sepé fala de paz." Bento olhou cada um, os olhos cansados, mas firmes. "Pelo Poncho Verde, pela República! Vamos negociar, mas com a lança ao lado!"
A manhã se ajustava em preparativos mistos: trincheiras reforçadas, mas também bandeiras brancas costuradas. Waldemio, no alazão, verificava a cavalaria, o Poncho Verde brilhando ao sol suave. Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate ralo. "Tchê tá com cara de quem vai negociar com o diabo, Waldemio", disse, o Poncho Verde dela limpo pela primeira vez em anos. Ele riu, pegando a cuia. "O diabo é o Caxias, mana. Mas se for pela paz, eu encaro, bah!" Ela enfiou um emplastro no poncho dele. "Tchê negocia, mas não abaixa o Poncho Verde!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Essa guria é mais braba que Bento.
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num riacho. "O vento tá leve", disse, apontando o sul. "Caxias tá a um dia, mas não com guerra," Waldemio ajustou o Poncho Verde. "Tchê acha que a paz é de verdade?" Caiuá confirmou: "Sepé tá no vento, e ele não mente. Meus guaranis tão prontos, mas guardam as flechas." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós seguramos, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé que venha a paz."
A noite se situava com um frescor primaveril, as fogueiras mais quentes. Zé Durvalino contava causos cheio de invenções, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei vinte e um caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Vinte e um? Tchê mal cortou um, e tava dormindo o maluco!" A gargalhada aqueceu a tropa, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia. "Tchê tá pensando em quê, mano?", perguntou. Ele olhou as chamas. "No Poncho Verde, na paz que nós pode ter, em Piratini que nós defendeu! Mas também em ti, e em Caçapava que tá no coração." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Negocia, tchê, mas vive."
O amanhecer de 1 de dezembro trouxe a chegada de Caxias. Um emissário imperial, José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco, sob bandeira branca, entrou em Piratini, propondo anistia, integração dos farroupilhas ao exército imperial e respeito ao Poncho Verde como símbolo de honra e bravura. Bento Gonçalves, Netto e os líderes se reuniram com o emissário. Waldemio, ao lado, segurava o facão, mas ouvia com atenção. "A República lutou por liberdade", disse Bento. "Se Caxias quer paz, que seja com dignidade." O emissário assentiu, prometendo termos justos.
A batalha não veio. Em vez disso, negociações se estenderam por dias, com Caxias acampado fora de Piratini. Em 1 de março de 1845, o Tratado de Ponche Verde foi assinado, garantindo anistia, terras para os farroupilhas e reconhecimento de sua luta. Piratini, exausta, celebrou a paz com fogueirase fandango de carramanchão ao som de bandonion, violão e padeiros. Waldemio, Maria, Caiuá, Zé Durvalino, Juca, Fidencio, Manual, Tupi e Anahí ergueram cuias. "Pelo Poncho Verde!", gritou Netto. Waldemio, com o lenço de Maria, completou: "Por Sepé, pela República, pela paz, bah!" Ele olhou o céu primaveril. "Bah, O fogo não apaga!", sussurrou. O Gaudério, sob o Poncho Verde, tava pronto pra viver agora sob o manto da paz.
Capítulo 35: O Acordo do Poncho Verde
1845 trouxe uma primavera suave ao Rio Grande, com o Poncho Verde dos farroupilhas tremulando em Piratini, não mais como estandarte de guerra, but como símbolo de honra e resistência. O Tratado de Ponche Verde, assinado em março, selara a paz com o Império, garantindo anistia, terras e reconhecimento aos farroupilhas. Piratini, exausta após uma década de luta, começava a se reconstruir, com casas erguidas sobre escombros e campos replantados.
Waldemio, O Gaudério, passara os meses seguintes ajudando na reconstrução, o lenço de Maria no bolso e o Poncho Verde agora pendurado no rancho, um lembrete de tudo que enfrentaram. Bento Gonçalves, Netto e os líderes supervisionavam a transição, enquanto o Duque de Caxias, cumprindo sua palavra, deixava o Rio Grande em paz. "O Poncho Verde vive na nossa história", murmurava Waldemio, enquanto Piratini se preparava sob o sol de dezembro de 1845, pronta para um 1846 de renovação e prosperidade!
O amanhecer de 1 de dezembro de 1846 raiou em Piratini com um sol cálido, aquecendo a terra fértil e iluminando as cidades que renasciam! As casas, reconstruídas com adobe e telhas novas, brilhavam sob a luz, e os campos ao redor começavam a verdejar com milho e trigo, feijão, cevada e arroz. Pomares se multiplicavam em toda a pampa Waldemio se encontrava no rancho que dividia com Maria, agora sua esposa, ajustando a sela do alazão, que pastava tranquilo a sombra de uma figueira, um guaipeca atrevido corria atras das ovelhas o gado no pasto ruminando enfim a vida como deveria sempre ter sido!.
As cicatrizes no peito e no ombro, testemunhas de uma década de guerra, doíam menos, e o Poncho Verde, pendurado na parede da varanda, era um símbolo de orgulho. O lenço de Maria, agora guardado numa caixa de carvalho entalhado, era sua memória mais cara. "Piratini é nossa vitória, bah!", sussurrou, os olhos no horizonte, onde a paz finalmente reinava.
A vida após a guerra se apresentava como um desafio de reconstrução. Bento Gonçalves, dedicado à política, trabalhava para integrar os farroupilhas ao Império, negociando direitos e defendendo a autonomia do Rio Grande. Netto, Manoel, Fidencio, Manuel, Caiuá e outros líderes supervisionavam a distribuição de terras prometidas no tratado, garantindo que os combatentes tivessem meios de sustento dignos.
O Duque de Caxias, respeitado até pelos antigos inimigos, deixara o sul, e os caramurus, sob novos comandantes, não ameaçavam mais. O Poncho Verde, antes alvo de ódio, agora era reverenciado como emblema de coragem! Piratini se situava em renovação, com milho e feijão plantados nos campos, comércio voltando às ruas e crianças correndo onde antes havia trincheiras e destruição.
No rancho, a comunidade se mantinha unida! Caiuá, agora líder de uma vila guarani aliada, visitava Piratini, trazendo sementes de milho e ervas medicinais. "Sepé tá no vento, e o vento tá em paz", disse, sorrindo, a cicatriz no peito coberta por uma túnica guarani. Zé Durvalino, com a barba mais grisalha, cuidava de um potreiro, o Poncho Verde dobrado no ombro como uma medalha. "Meu facão tá guardado, mas a alma tá livre!", riu. Juca, agora um jovem fazendeiro, plantava milho e criava gado, mas ainda carregava o mosquete, "por costume", dizia, rindo. O riso era forte, e a paz, conquistada com sangue, aquecia os corações!
Maria e Dona Anahí se localizavam no rancho comunitário, que substituíra a choupana-hospital. O milho voltava às mesas, e o caldo, agora com carne e mandioca, sustentava a vila. Anahí, com o terço na mão e o Poncho Verde como xale, contava histórias às crianças, ensinando o valor da luta. "Nós lutou, e nós venceu!", disse, o porrete/tacape aposentado, mas sempre ao alcance. Maria, grávida do primeiro filho com Waldemio, organizava o rancho, o Poncho Verde dela guardado com carinho numa arca. "A paz é nossa luta agora, disse, sorrindo. As mulheres, antes guerreiras, agora reconstruíam a vila, mas mantinham as facas afiadas, por precaução!
Bento Gonçalves reuniu a comunidade ao meio-dia, na praça de Piratini, onde uma bandeira farroupilha tremulava ao lado da imperial, sinal de conciliação. Netto, Fidencio, Manoel, Waldemio, Caiuá, Zé Durvalino, Juca, Maria e Anahí se apresentavam lá, com antigos lanceiros, guaranis e voluntários, todos sob o orgulho do Poncho Verde. "A República viveu por nossa coragem", disse Bento, a voz firme, mas cansada.
"O tratado nos deu paz, terras e honra. O Poncho Verde é eterno, e o Rio Grande é livre por nós!" Netto, discursou nçao com a eloquência de Bento, com o Poncho Verde impecável, falou: "Nós seguramos, Piratini, Caçapava, todo o Rio Grande. A paz é nossa vitória!" Waldemio, o facão guardado, completou: "Pelo Poncho Verde, pelos que caíram, por Sepé, nós vive!" Caiuá assentiu: "O vento carrega nossa história!" A multidão ergueu cuias, celebrando a paz conquistada com uma década de sangue derramado com fé e coragem.
A tarde se ajustava em festa. Waldemio, ao lado de Maria, via o povo dançar uma vaneira, o Poncho Verde dela brilhando ao sol, Maria se aproximou, trazendo uma cuia de mate. "Tchê tá com cara de quem venceu o mundo, Waldemio", disse, sorrindo. Ele riu, pegando a cuia. "O mundo é o Rio Grande. E nós vencemos, ao negociar bvem a paz, bah!" Ela tocou o ventre, onde crescia o filho deles. "Tchê vive, e nosso guri vai carregar o Poncho Verde!" Dona Anahí, ouvindo, riu. "Esse guri vai ser mais brabo tchê, Waldemio, bah!" Ele assentiu, o lenço de Maria em seu coração.
Caiuá encontrou Waldemio ao entardecer, num campo verdejante. "O vento tá leve", disse, apontando o horizonte. "Sepé tá feliz, bah!" Waldemio ajustou o Poncho Verde, agora um símbolo de paz. "Tchê acha que a paz vai durar?" Caiuá sorriu: "O Poncho Verde dura. Meus guaranis tão em paz, mas sempre prontos." Waldemio apertou o ombro do amigo. "Nós venceu, Caiuá. Pelo Poncho Verde, por Sepé."
A noite se situava com uma festa na praça, fogueiras altas e vaneiras ecoando. Zé Durvalino contava causos, o Poncho Verde como capa. "Eu juro, derrubei vinte e dois caramurus com um golpe, bah!" Juca retrucou: "Vinte e dois? Tchê mal cortou um, e tava dormindo!" A gargalhada aqueceu a vila, e Maria, com Waldemio, passou uma cuia do chumarrão. "Tchê tá pensando no quê?", perguntou. Ele olhou as estrelas. "No Poncho Verde, na paz, em Piratini que nós reconstruiu, Mas também, tchê, na mamãe, e no guri que vem." Ela sorriu, apertando a mão dele. "Vive, tchê, vive."
Epílogo: O Legado Eterno do Poncho Verde
A Guerra dos Farrapos, de 1835 a 1845, foi uma epopeia de resistência que moldou o Rio Grande do Sul e ecoou pelo Brasil. De Caçapava, onde Waldemio e seus companheiros enfrentaram Osório em 1835, a Piratini, que resistiu até 1845, a luta farroupilha foi um grito por liberdade e justiça. Waldemio, O Gaudério, com seu lenço de Maria, simbolizou a bravura gaúcha, enfrentando canhões e sabres com lança e facão. Maria, com sua faca e Poncho Verde, representou a força das mulheres que sustentaram a República, cuidando dos feridos e lutando nas trincheiras.
Caiuá, com sua ligação a Sepé, trouxe a sabedoria guarani, suas flechas e boleadeiras virando lendas. Zé Durvalino, com seu facão e causos, manteve o ânimo da tropa, enquanto Juca cresceu de menino a guerreiro, seu mosquete marcando o futuro. Dona Anahí, com terço e porrete/tacape, foi a alma da vila, guiando gerações. Bento Gonçalves, Netto e lideraram com visão e coragem, transformando a República Rio-Grandense num ideal que transcendeu a guerra.
As batalhas de Caçapava (1835), Piratini (1836-1844), e tantas emboscadas, custaram milhares de vidas, guaranis, gaúchos e imperiais. O Poncho Verde, inicialmente um pano de luta, tornou-se um emblema de identidade, carregado com orgulho mesmo pelos que negociaram a paz. O Tratado de Ponche Verde, em 1 de março de 1845, sob a mediação do Duque de Caxias, garantiu anistia, integração dos farroupilhas ao exército imperial, terras para os combatentes e respeito à sua luta. Piratini renasceu, com campos replantados e comércio florescendo, enquanto o Rio Grande ganhava voz política no Império.
Waldemio e Maria construíram uma família, seu filho, nascido em 1846, batizado de Isidoro em homenagem ao amigo caído, cresceu ouvindo histórias do Poncho Verde, aprendendo a manejar a lança e a valorizar a paz. Caiuá liderou seu povo numa vila guarani, mantendo viva a memória de Sepé e a aliança com os gaúchos. Zé Durvalino tornou-se um contador de histórias, suas façanhas exageradas encantando crianças em fogueiras. Juca, fazendeiro próspero, guardava seu mosquete como relíquia, ensinando os jovens a cultivar a terra.
Dona Anahí, matriarca venerada, contava às novas gerações como as mulheres seguraram Piratini, seu Poncho Verde passado como herança. Bento Gonçalves, até sua morte em 1847, defendeu os ideais farroupilhas na política, enquanto Netto e Fidencio moldaram o futuro do Rio Grande, garantindo que a luta não fosse esquecida.
O Poncho Verde, guardado em ranchos, arcas e corações, tornou-se mais que um pano: era o espírito do Rio Grande, um lembrete de que a liberdade, conquistada com sangue, devia ser protegida com honra. A Guerra dos Farrapos, com suas vitórias e derrotas, forjou a identidade gaúcha, ressoa até hoje, nas vaneiras, nos causos e nos campos do sul.
O fogo da República, aceso em 1835, nunca se apagou! E em cada gaúcho, guarani ou filho do Rio Grande, o Poncho Verde segue tremulando, eterno, como o vento que carrega a história de Sepé, Waldemio e todos que ousaram sonhar com uma pampa livre de hoje, sendo o maior legado.